O tempo da atualidade


“…o mundo atual como um lugar de ilusão das promessas não cumpridas, de depressão das certezas perdidas, de insegurança das identidades passageiras”. Esse fragmento encontra-se num belo artigo da psicanalista Carmen Da Poian, ‘A Psicanálise, o Sujeito e o Vazio Contemporâneo’, editado pela Via Lettera em 2001.

A vida de uma pessoa, desde seu nascimento, precisa de uma ilusão. Somos seres muito precários no início, daí temos de nos agarrar na Ilusão Necessária. Nossos pais são os primeiros a nos oferecer essa crença de que são heróis, onipotentes e que, para tudo que nos acontecer, eles estarão ali para nos salvar – essa é a pedra fundamental da consciência futura do sentimento de certeza, ainda que relativo. Crescemos assim, criamos heróis, os heróis da nossa infância, os ídolos da nossa adolescência, as paixões dos nossos amores e das nossas ideias. Crescemos assim, repito, por uma necessidade fundamental de que o ideal, o salvador, o protetor existe. Deus existe; a família existe como esteio; as leis existem como instituição para proteção dos nossos direitos; e o governo existe como salvaguarda das nossas necessidade de fome, de saúde, educação, moradia e desenvolvimento científico-tecnológico. Paul Valéry em “Maus pensamentos e outros” nos escreve: “A sociedade é uma espécie de sonho coletivo. Essas ilusões tornam-se ilusões perigosas quando começam a parar de iludir.O despertar desse tipo de sonho é um pesadelo.”

Reflitamos o que nos diz Carmen Da Poian citada no início. Não será exagero afirmar que, desde o governo português, nosso pai primeiro, até os dias atuais, somos solapados de “promessas não cumpridas” e de “insegurança das identidades passageiras”. Somos um povo ainda primitivo na medida que é forte a necessidade de um “salvador”, de um Messias. Somos uma sociedade calcada ainda em soluções místico-religiosas com ofertas de ídolos de barro, promessas coloridas, de “estrelas vermelhas”, infelizmente cadentes, que não sustentam nossa crença, nossa esperança em dias melhores. Temos tido “pais governantes” que momento a momento nos passam uma dupla mensagem: é e não é – em sua consistência de consideração, respeito e ética. Somos governados curiosamente por quem elegemos, baseados em nossas inocentes ilusões que assumirão a causa pública com compromisso de verdade e de respeito à condição humana. É esse o país que moramos! Consequência inevitável – “ depressão de certezas perdidas”.

É verdade sim, caro leitor, vivemos como nunca em um clima triste, externo e interno dentro de nossas almas, um índice alarmante de pessoas deprimidas, descrentes, decepcionadas e desencantadas. Nunca a indústria farmacêutica faturou tanto quanto atualmente – somos a geração dos “prozacs” da vida. Os nossos jovens perderam a esperança, os nossos filhos não sabem mais onde procurar suas referências. Os adultos-jovens, concursados, empregados, ficam desesperadamente pensando em um bom emprego e uma boa aposentadoria, na doce ilusão de amanhã, idosos, viverem economicamente bem. Como? Nem política para a terceira e quarta idades esse país tem! Não é o que se ganha, dinheiro e bens materiais, que garantem o bem estar psíquico. É sentimento de ética, parceria criativa, comunidade atendida, vida afetiva, cultural, e principalmente civilidade e cidadania, implantadas como o pão de cada dia. Somos vazios existencialmente, estamos nos tornando consumidores vorazes, predadores e exploradores dos nossos próprios semelhantes. Crimes, assaltos, quadrilhas especializadas em se apropriarem do dinheiro dos nossos impostos, o poder nas mãos de grupos partidários que não fazem outra coisa senão planos estratégicos para se manterem no próprio poder. Mudanças, que mudanças? Homens íntegros desapareceram, ou ficaram na raridade? Os estudantes não se organizam mais em movimentos sérios e provocadores de transformações, a classe média se ilude de um futuro paradisíaco.

O leitor deve sentir que o que escrevo tem uma tonalidade pessimista; penso que não – é nosso realismo doloroso, e desse realismo podemos ainda acreditar que alguma coisa pode ser feita, aliás, alguma coisa já está sendo feita. O SUS, a Polícia Federal e planos governamentais para baixa renda. É hora de fazer uma “limpeza na casa”, e isso demanda tempo e disponibilidade política. Bom, termino hoje citando um cânone da Literatura Universal, um homem que em prosa e verso cantou o hino da democracia, da liberdade, já nos anos de 1800 – Walt Whitman (!819-1892), na América do Norte.

Devo seguir com o resto,
Não vamos parar num determinado ponto …isso não é satisfação;
Mostrar uma ou algumas coisas boas por um tempo – isso não é satisfação;
Precisamos ter a raça indestrutível dos melhores, não importa o tempo

Feliz e bem vestido vou,
Não sei dizer pra onde, mas sei que é bom,
O universo todo indica que é bom,
Passado e presente indicam que é bom.”

Fragmentos do livro Folhas de Relva – (Pensar no Tempo)
Walt Whitman, Edição bilíngüe, Editora Iluminuras, 2008-SP
Primeira Edição, 1855.
Walt Whitman (1819-1892)

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