“Pouco importa, venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo, e ele não pesa mais que a
mão de uma criança”
Carlos Drummond de Andrade, em “Os Ombros Suportam o Mundo”.
Outro dia, num banco debaixo do meu prédio, degustando o prazer e maléfico desbenefício de um cigarro — por incrível que pareça chamado Harmony (?), observava uma só formiga levando sobre seus ombros uma flor maior que ela. Parecia alegre e penosa, mas executava seu trabalho comunitário. Ela carregava nos ombros seu mundo!
E nós, humanos, ao contrário do que diz o verso drummoniano, “os ombros suportam o mundo”, deixamos nesse nosso tempo presente a intrigante pergunta: os homens suportam hoje a realidade mundana, tanto a externa, factual, quanto a interna, psíquica?
As guerras; a revolta da natureza ferida; a política mercenária e perversa; o ódio predominante entre as disputas de poder; as famílias desorientadas sem parâmetro ético; a falta de instituições que não são mais referências de identificação aos jovens; a Justiça partidária e os governos extremistas tanto à direita quanto esquerda; todos estes são fenômenos humanos (será que humanos de fato?) pesados demais para que nossos ombros suportem. Daí o abandono, a angústia e a ausência de acolhimento, gerando patologias do pânico, depressões e ideações suicidas num percentual nunca visto.
As fibras musculares dão lugar a uma “fibromialgia coletiva”. Salienta nosso poeta maior, quando inicia seu poema quando afirma: “Chega um tempo em que não se diz mais: ‘meu Deus…’/Tempo em que não se diz mais: ‘meu amor’/Porque o amor resultou inútil/ E os olhos não choram… /E o coração está seco”.
Contudo, aquela formiguinha que citei no início do texto caminhava tranquila, por amor à comunidade e afeto aos seus familiares. Por uma função social que os homens da pós-modernidade aposentaram. A beleza da flor avermelhada sendo carregada emanava um sentimento de cooperação, de trabalho coletivo, e mais, de uma atitude que caiu de moda — a compaixão!
O “social-ismo” está perdendo cada vez mais para o “narci-sismo” patológico, onde o ter, a ânsia pelo poder, o dominar e o escravizar podem proporcionar momentos de prazer. Prazer esse que, no entanto, termina em desprazer, pois o “social-capitalismo” deixa a marca do vazio existencial e da depressão.
Os ombros não estão mais suportando esse mundo atual. Dia após dia, o corpo está definhando, e a alma, sofrendo. Parece que não se tem mais força para reagir, a não ser os gritos, rebanhos de gente nas ruas, sem força nos músculos da fonação para dizer: “Ai, meu Deus!”.