A editora Record nos brinda nesse ano com uma edição comemorativa do romance Vidas Secas, do nosso querido e um dos maiores escritores da Literatura Brasileira Graciliano Ramos. Minhas leituras do “velho Graça” remete à minha adolescência, na cidade de Maceió, onde tive a alegria de morar vizinho a uma casa de sua família, na rua do Macena, hoje, rua Dr. Cincinato Pinto, e ser amigo de um parente, Marcelo Ramos, colega do Colégio Diocesano, dos Irmãos Maristas.
Restrinjo-me hoje, não a falar do romance, mas tirar proveito das próprias palavras de Graciliano, editadas no início do livro, uma carta datada de 7 de maio de 1937, escrita por Graciliano Ramos, no Rio de Janeiro, para sua esposa Heloísa Ramos, que se encontrava em Alagoas. Diz a carta: “Escrevi um conto sobre a morte duma cachorra, um troço difícil como você vê: procurei adivinhar o que se passa na alma de uma cachorra. Será que há mesmo alma em cachorro? Não me importo. O meu bicho morre desejando acordar num mundo cheio de preás. Exatamente o que nós desejamos. A diferença é que eu quero que eles apareçam antes do sono, e padre Zé Leite pretende que eles nos venham em sonhos, mas no fundo todos somos como a minha cachorra Baleia e esperamos preás. É a quarta história feita aqui na pensão. Nenhuma delas tem movimento, há indivíduos parados. Tento saber o que eles têm por dentro”.
“Baleia” foi escrito como conto, logo após, anexada ao romance. É uma terna e triste verdade de que somos “baleia”, somos animais que sobreviviam ou sobrevivem da dependência dos outros, uma questão que repousa em toda a obra do Graça – a subserviência a serviço do outro-patrão; do outro explorador; mas também da alegria de servir, o que atesta a felicidade de baleia em viver na companhia de Juliano. Somos dependentes, às vezes estúpidos, no entanto também somos generosos na consideração pelo outro. “Sempre ficamos esperando preás”.
Podemos entender a metáfora do preá, usada pelo Graça. Olha que curioso: preá é um termo de origem tupi, “apé-reá (o que mora no caminho, o que se encontra nos caminhos”). Roedor herbívoro comum no Nordeste, de carne muito apreciada, “os olhos da treva”, no dizer de Gilvan Lemos. Graciliano nos faz pensar que muitos de nós somos devorados para alegria dos outros, o que torna a nossa vida, “Vidas secas”.