A angústia da existência

           

“Julgo-me bêbado, sinto-me confuso/

Cambaleio nas minhas sensações,/

Sinto uma súbita falta de corrimãos/

No pleno dia da cidade”.

                                 Fernando Pessoa no poema “Quem tem alma não tem calma”.

 

 

 

     Fernando Pessoa, a pessoa do desassossego é atualíssimo. Nos versos citados, três palavras são contundentes nos dias de hoje: “confuso”, “cambaleio” e “falta de corrimãos”. A metáfora do estado de mente da modernidade é clara, límpida e certeira.

     Vivemos uma época de “labirintite existencial”, onde as pessoas perderam seus suportes, suas bases familiares, a proteção das políticas públicas, o terror das mortes, a falta de esperança na humanidade dos homens de poder, a fome, a expulsão de seus países, a homofobia desvairada, a violência tanto às mulheres quanto aos homens. Somos anjos caídos perseguidos pelos diabos humanos, somos pessoas desprotegidas, cambaleantes, sem “corrimãos” onde se apegar e sem ser acolhidas. Daí as famosas e hoje corriqueiras, as Síndromes de Pânico! Em “pleno dia” mata-se mais do que se vive, a cidade é um mar imenso sem proteção. A vida ficou a expressão de um constante Réquiem onde os viventes perdem sua existência de maneira brutal, primitiva, bárbara e sem direito de sobrevivência.

       Que bom se estivesse escrevendo sobre o amor, a confraternização universal dos direitos humanos, sobre o respeito que os governantes poderiam ter pelos seus eleitores, sobre a assistência médica que impedisse a parturiente não perder o filho e às vezes morrer na entrada do hospital. Que alegria estaria em nossas almas se o respeito pelas pessoas menos favorecidas pudesse transformar as políticas governamentais. Se os jovens não tivessem pânico em amar, pois escolheram uma redoma onde aprisionaram seus afetos com medo de sofrer o desamparado, a solidão ou mesmo o desamor.

      A “náusea sartriana” volta a entrar no cenário da existência pós-moderna! A angústia de Fernando Pessoa é clássica, o que faz do poeta uma pessoa sempre falando das nossas aflições e turbulências. O cambalear do seu verso atenta para a frequente insegurança sobre a vida em si mesma, mas aponta também para os sentimentos de vacuidade, de ausência de consistência psíquica para lidar com nossos conflitos interiores.

       É preciso lembrar que essa ausência de consistência psíquica não vem somente da falta dos nossos pais, mas também da recusa de nós próprios para sobreviver ao nosso nascimento nadando com as próprias pernas. É hora de ter coragem, como lembra a filosofia de Nietzsche – ter “vontade de poder”, poder ser si mesmo, procurar um estilo próprio ainda que dentro das adversidades, quem sabe, ser o corrimão de si.

 

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