A elaboração da Solidão

           

A Solidão e sua Porta 

“Quando mais nada resistir que valha/
a pena de viver e a dor de amar/
e quando nada mais interessar, (nem o torpor do sono que se espalha).
Quando pelo desuso da navalha/
a barba livremente caminhar/
e até Deus em silêncio de afastar/
deixando-te sozinho na batalha
A arquitetar na sombra a despedida/
do mundo que te foi contraditório,/
lembra-te que afinal te resta vida/
com tudo que é insolvente e provisório/
e de que ainda tens uma saída:
Entrar no acaso e amar o transitório”.

 

Esse poema de Carlos Pena Filho, poeta pernambucano que se foi jovem, mostra a importância da vivência do tempo, ainda que “insolvente e provisório”. O poeta, que ofereceu seu poema a Francisco Brennand, viu uma saída para o sentimento de solidão, estado implícito na existência humana, sem o significado de abandono. Mesmo após perdas e mais perdas que tenhamos na vida, o poeta sabe que o tempo merece ser vivido no aqui e no agora, no transitório da nossa viagem, nas veredas que Guimarães Rosa oferecia para que os homens não se angustiassem com começo e fim, e sim tirassem proveito do viver, do caminho, da trajetória.

A maior contradição existencial é definida quando nascemos, pois isso determina um fim, não uma eternidade, mas a capacidade de amar o transitório e o acaso, como enfatiza Carlos Pena. Mesmo “sem Deus”, encontramos dentro de nós o vivido, a saudade dos amores que se foram, a alegria de ter sido bom e ruim. “Lembra que afinal te resta a vida” é uma metáfora, a vida é grande em tamanho e qualidade, claro, quando não se a vive somente nas lamentações quanto ao passado nem nas alucinações sobre o futuro. A vida é aqui, aí, é devir, é viver minuto a minuto, hora a hora. Nunca se vive o passado nem o futuro; o que nos resta “é a vida que é insolvente e provisória”, mas que é o espaço e o tempo de viver.

Num outro soneto, Carlos Pena chega a escrever no último terceto: “a vós, rosa silvestre, ave sem rumo,/ venho dizer que é em vossas  mãos sem nada/ onde me aprumo e onde me desaprumo”.

A dialética poética de Carlos é além de poesia uma filosofia de vida, um jeito de unir o que chamo de poeta-filósofo, como os franceses do século XX aconselhavam aos filósofos serem escritores-filósofos. Nietzsche que usou a filosofia para viver a vida, e não para se encastelar em conceitos teóricos, diz que necessitamos, todos os homens de “espírito-livre” devem ser ultrapassados, ultrapassar a conjuntura, a transitoriedade, para ter a vitória da humanização. Carlos Pena sabia disso quando poemou os versos acima.

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