Psicanálise da vida cotidiana – A função social da Psicanálise – 27/09/17

 

J.B.Pontalis, psicanalista, filósofo e escritor francês, inaugura seu belo livro A margem dos dias, tradução de Lídia R. Aratangy e editado pela Primavera Editorial, com uma citação poética de Paul Valéry: “Alguma coisa acontece em uma região de mim da qual estou ausente”.

 

Essa frase contém uma condição humana de que qualquer pessoa é estrangeira em si mesma; qualquer pessoa contém em sua realidade psíquica uma área subterrânea, encoberta, produto dos mecanismos neuróticos e psicóticos da sua personalidade — aquilo que nossa consciência não alcança e também se recusa a entrar em contato, pois a dor psíquica, a verdade íntima, nem sempre é confortável e agradável, é angustiante.

 

A questão é que, quanto mais o ser humano recalca, nega, mais essa “região ausente de mim” se manifesta através de sintomas e atos que, além de obstruir a liberdade de ser, atinge destrutivamente tanto a pessoa em si como os demais.

 

A psicanálise, não necessariamente como terapia médica, mas como investigação do desconhecido de todos nós, proporciona a elaboração e transformação dos nossos conflitos, abrindo a possibilidade de sermos mais criativos e que possamos sublimar nossas pulsões, civilizando dessa maneira, o animal-humano que todos somos.

 

O trabalho minucioso e profundo de S. Freud sempre apontou também para a função social e política da psicanálise. Constitui tarefa do psicanalista, tanto em sua clínica privada como na comunidade, um olhar analítico para entender e comunicar a experiência emocional tanto no privado como no social. Levar ao público, temas vividos e conversados em sala de análise (não me refiro a contar as histórias privadas), fazendo conexões entre psicanálise, filosofia, política, história e literatura.

 

Nos consultórios e na elaboração literária, por exemplo, encontramos questões que têm a ver com rivalidade, ciúme, inveja, competição, e tantos outros sentimentos humanos que, não elaborados, comprometem a vida pessoal e grupal. Esse é o compromisso fundamental e sempre atual da psicanálise atual: o compromisso com o social, colaborando em equipes multidisciplinares, numa política de saúde preventiva.

 

É lastimável que os governos não enxerguem nem subsidiam a Psicanálise como uma ferramenta também, para transformações sociais.

 

Deixo o leitor com os versos do nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade, em seu poema Os ombros suportam o mundo: “Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus/ Tempo de absoluta depuração/ Tempo em que não se diz mais: meu amor./ Porque o amor resultou inútil./ E os olhos choram./ E as mãos tecem apenas o rude trabalho./ E o coração está seco”.

 

 

 

 

Carlos de Almeida Vieira – Médico psiquiatra, Psicanalista da SPBsb, Membro da Federação Brasileira de Psicanálise –  FEBRAPSI e da International Psychoanalytical Association – IPA


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