A Mentira e a Verdade

 “O pior de mentir é que cria falsa verdade. (Não, não é tão óbvio como parece, não é um truísmo: sei que estou dizendo uma coisa e que apenas não sei dizê-la de modo certo, aliás, o que me irrita é que tudo tem de ser de modo certo, imposição muito limitadora). O que é mesmo que eu estava tentando pensar? Talvez isso: se a mentira fosse apenas a negação da verdade, então este seria um dos modos, por negação, de provar a realidade. Mas a pior mentira é a mentira criadora. (Não há dúvida: pensar me irrita, pois antes de começar a pensar, eu sabia muito bem o que eu sabia)”. Mentir e Pensar, de Clarice Lispector em seu livro Aprendendo a viver. Ed.Rocco, 2004. 

A questão da mentira está estritamente ligada à verdade. C. Cantu, escritor italiano, (1804-1895) em sua obra “Attenzione! XXII”, escreveu que: “o oposto da mentira não é a verdade”.  Mentir, falsear, diz respeito a um mecanismo psíquico contra a dor da verdade. Desde pequeno a criança inventa, imagina e transforma os fatos reais, pois não tem ainda condições de suportar as coisas como elas são. Os pais são heróis, a vida é eterna, a condição humana é isenta de qualquer aspecto que mostre limitação, impotência, falibilidade e mortalidade.

Essa ilusão, essa primeira mentira, sem dúvida é necessária para que o infante possa suportar sua condição precária como ser humano. À medida que cresce e se desenvolve, a pessoa por força da realidade, ou suporta a “desilusão necessária”, ou intensifica suas “mentiras”, e com isso corre o risco de viver uma vida de “mitômano” ou delirante, psicótico franco.

É óbvio que a verdade, tanto dos fatos reais quanto da própria realidade psíquica é uma experiência muito dolorosa. Fala-se muito de idealização, viver um mundo de ilusões, de fantasias, enfim, construir um mundo pessoal no qual não se tenha que enfrentar as verdades dolorosas. A mente humana luta ou foge de tudo que seja desprazer, desconforto, angústia, desagrado, decepção, desapontamento e dor psíquica. Entretanto, a experiência da vida mostra sempre a existência de “pares de opostos”, inevitáveis, implícitos: amor-ódio, prazer-desprazer, vida-morte, ganho-perda etc. Mentir é um recurso para negar essas dualidades, em busca de viver a completude, o “mito do paraíso”. 

 

 

 

 

Carlos de Almeida Vieira – Médico psiquiatra, Psicanalista da SPBsb e da SBPSP (São Paulo), Membro da Federação Brasileira de Psicanálise –  FEBRAPSI e da International Psychoanalytical Association – IPA


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