“Não haverá de salvar-te o que deixaram/ Escrito aqueles que teu medo implora;/ Não és os outros e te vês agora/ Centro de um labirinto que tramaram/ Os teus passos. Não te salva a agonia/ De Jesus ou de Sócrates nem o forte/ Siddahartha de ouro que aceitou a morte/ Em um jardim, ao declinar o dia./ É pó também essa palavra escrita/ Por tua mão ou o verbo pronunciado/ Por tua boca. Não há lástima no Fado/ E a noite de Deus é infinita./ Tua matéria é o tempo, o incessante/ Tempo. Tu és todo solitário instante”. Poema de Jorge Luis Borges — “Não és ou Outros”. In, Obras Completas, Editora Globo.
O céu azul, completamente azul de Brasília, já não deixa entrever a beleza da sua amplitude infinita, eterna e futurista. As nuvens se derramam, dia a dia, numa tristeza de notícias graves, imorais, deixando seus habitantes envergonhados em conviverem com um clima de denúncias, de vergonhosos atos de arrogância, onde alguns homens do poder público exalam atos como se a verdade estivesse com eles e, nós os habitantes fossemos cegos, burros e ingênuos. Somos hoje uma Nação desmoronando, caso os órgãos de proteção ao patrimônio público, a policia federal e as pessoas envolvidas nesses atos de ousadia e coragem não sejam obstruídos pelo Poder Legislativo e Judiciário em causa própria.
Somos testemunhas, semana passada, da astúcia de alguns poderosos, de tentarem obstruir as investigações em seus benefícios. Chegamos no limite da tolerância, mas como diz o nosso poeta Borges: “ os teus passos não te salva a agonia”. As investigações, a coragem dos mais jovens legisladores da justiça, vem demonstrando que algo está mudando, algo está se transformando, caso contrário “dobraremos o cabo da boa esperança”.
Parece surreal um senador da república e um empresário acharem que podem intervir até no Supremo Tribunal Federal para corromper homens teoricamente incorruptíveis. Será mais intolerantes se eles se deixarem corromper.
A arrogância e fantasia(?) de onipotência desfila suas facas afinadas no corte da Ética. Aonde nós chegamos nesse Brasil, nesse país que ainda jovem, 200 anos de República, não acordou para uma mentalidade social, justa, comunitária e respeitosa!
Serão as gangues, as quadrilhas, os fanáticos partidários pelo Poder, os delirantes de um governo infinito sob seu controle, os grupos minoritários de alguns ricaços, as figuras perversas do tráfico, diferentes do “terrorismo fundamentalista”?
Em seu livro de poemas, “O cão sem plumas”, do nosso nordestino cabra-macho, João Cabral de Melo Neto, encontramos um poema cujo título é: “O fim do mundo”. O poeta desliza sua arte e termina falando da sua preocupação do final do sonho, e não do mundo. Vejamos:
“No fim de um mundo melancólico/ os homens leem jornais./ Homens indiferentes a comer laranjas/ que ardem como o sol./ Me deram uma maçã para lembrar/ a morte. Sei que cidades telegrafam/ pedindo querosene. O véu que olhei voar/ caiu no deserto./ O poema final ninguém escreverá/ desse mundo particular de doze horas./ Em vez de juízo final a mim preocupa/ o sonho final”.
Os realistas que me perdoem: o sonho não acabou, somos levados por um desejo intenso de ainda podermos sonhar. Whitman sonhou com uma América justa e feliz; Borges sofreu sua vida toda em busca do “Aleph”; Dante conheceu o “Inferno”, e assim mesmo, prosseguiu em busca de sua Beatriz; Don Quixote era louco ou um sano que tinha dificuldade de suportar as dores do mundo?; Ulisses voltou; Kafka sofreu a violência de uma perseguição fantástica bem elaborada pela perversidade dos homens; Lampião lutou, sofreu e morreu quando a “república” não aceitou, desde aquela época, a distribuição dos bens; Juscelino morreu ou foi morto quando criou a “utopia” de um governo central, democrático e Niemeyer desenhou as formas informes de um mundo mais justo. Deu no que deu, caro leitor! Ou saímos de um modelo escravagista, populista, “venezuelano”, ou o poder nos levará às prisões, apelidados de “subversivos” ou “ladrões”.
“Quem dirá não aos que fazem a bulas do horror,
Quem dirá não os assassinos da esperança,
Que dirá não aos donos das leis,
Que dirá não aos donos da terra,
Quem dirá não aos que cavoucam para esconder,
Quem dirá não aos que tiram e não colocam,
Quem dirá não aos que não jogam água na planta,
Quem dirá não aos que cercam as ruas,
Quem dirá não aos que ferem e vestem armaduras?
Versos de Álvaro Alves de Faria em seu “O Sermão do Viaduto” em 1965
Não acabem com uma Pátria jovem ainda tateando ares de República; não reeditem a espoliação de um povo que escravo não será mais, e que já vislumbra na mentalidade mais jovem, que o caminho é Ética, Educação, a distribuição respeitosa da renda, a conservação dos direitos humanos, a defesa da natureza e a doçura e elegância de um cisne que pode flutuar nas águas do Planalto, por entre os Palácios e Ministérios sem o ar mortífero de outro cisne negro, ou melhor, de uma ave de rapina qual o Carcará: pega, mata e come.