A solidão atual

“Nunca o nosso mundo teve ao seu dispor tanta comunicação. E nunca foi tão dramática a nossa solidão. Nunca houve tanta estrada. E nunca nos visitamos tão pouco.” Mia Couto.

O sentimento de solidão parece ser a marca registrada do mundo contemporâneo. Os índices de ocorrência de Estados Depressivos aumentaram. Hoje é muito frequente nos consultórios de psicanalistas e psicoterapeutas a queixa de “o sentimento de vazio existencial”;”a ausência de sentido na vida”; “a sensação de abandono”; a tão cantada “síndrome do pânico” que não é outra coisa senão uma forte angústia de separação, um sentimento de morte iminente e de falta de proteção; um empobrecimento do mundo psíquico; a ausência de relações afetivas consistentes. Enfim, vivemos num mundo do Negativo, negativo como expressão de várias faltas essenciais no ser humano. A família está em crise, mostrando dificuldades em ser objeto para Identificação do Eu, referências que são fatores de sustentação para “o sentimento natural de solidão humana”. A “solidão fundamental”, como diz os psicanalistas.

Sempre comungo com a ideia de que somos sozinhos e separados, sempre. Qualquer relação humana que não respeite esse conjunto leva o indivíduo a reagir, estabelecendo vínculos de fusão ou de rompimento brutal com fantasias de autossuficiência. Aí está o sentido do medo de amar, de se vincular, de viver intimidades, pois amor, vínculo e intimidades dão trabalho psíquico. Por exemplo, a pessoa necessita saber lidar com os ingredientes afetivos: amor, ódio, medo de perder, ciúme, inveja, competição. Às vezes é melhor se “ilhar”, fazer uma redoma que proteja do lado desagradável de viver com alguém, a tolerância com as diferenças, a capacidade de saber renunciar, adiar o desejo para obter o prazer lá na frente.

Pensando nos versos de Mia Couto, poeta moçambicano, acima mencionado, somos levados a refletir: Que comunicação é essa, atual, intensa, mas que cria solidão? Os vínculos virtuais preenchem o vazio ou aumentam? A virtualidade, que por um lado é essencial no processo comunicativo atual, é ao mesmo tempo uma defesa da intimidade de fato? Estamos assustados na convivência comum? O ser humano ficou mais vulnerável e frágil diante do sofrimento natural da vida? Recuamos para um “autismo” defensivo para não ter dores psíquicas? No entanto, se recuamos para não ter dores também está obstruída a possibilidade de ter prazer. As trocas comunicativas na Internet são trocas ou são maneiras modernas de soltar nossos impulsos amorosos e agressivos na ausência do encontro factual?

Na virtualidade não aprendemos a conviver com a “sofrença” do amor e do ódio! A virtualidade amorosa talvez seja a expressão de um onanismo, de uma masturbação, de um aborto dos sentimentos. A intimidade de fato, é a vivência corporal e psíquica da relação humana. O homem, ou como gosto de dizer, o animal-humano, para não perder a consciência de animalidade, não tem medo de amar, tem medo de soltar seu “bicho” quando os afetos se cruzam com os outros. Voracidade, inveja, vampirismo, narcisismo perverso, são razões para ter medo de si mesmo e dos outros, na alcova da vida.

Nunca se matou tanto os semelhantes como dantes; nunca se teve notícia de tantos preconceitos, tantas exclusões, abandonos como nos dias atuais! A sociedade pós-moderna é centrada no consumo, tanto de coisas como de pessoas; não há preocupação com o Ser e sim com o Ter, quando sabemos que os bens materiais não “enchem barrigas”, pelo contrário, aumentam o vazio e a repetição do comportamento vampiresco. Os afetos sim, esses enriquecem o nosso ser, tão consistência à nossa interioridade, e com isso, fortalecem nós próprios e as outras pessoas.

Voltamos para o século do “iluminismo racional”, onde a inteligência e a razão são as metas da felicidade! “Viver é perigoso” dizia Riobaldo na pena de Guimarães Rosa, mas viver é preciso, para exercitarmos toda a hora a nossa civilidade. Se estivermos sofisticando os meios de comunicação, o que é verdade, estamos usando-o para defesa dos Afetos ou para maior compartilhamento amoroso? “Nunca nos visitamos tão pouco”, diz o poeta. O celular e a internet são meios de comunicação ou são ilhas autísticas de uma vida virtual, por excelência?

Deixo o querido leitor com um poema do nosso Carlos Drummond de Andrade. “A Falta que ama”

“Entre areia, sol e grama/ o que se esquiva se dá,/ enquanto a falta que ama/ procura alguém que não há./ Está coberto de terra;/ forrado de esquecimento./ Onde a vista mais se aferra,/ a dália é toda cimento./ A transparência da hora/ corrói ângulos obscuros:/ cantiga que não implora/ nem ri, patinando muros./ Já nem se escuta a poeira/ que o gesto espalha no chão./ A vida conta-se, inteira,/ em letras de conclusão./ Por que é que revoa à toa/ o pensamento, na luz?/ E por que nunca se escoa/ o tempo, chega em pus?/ O inseto petrificado/ na concha ardente do dia/ une tédio do passado/ a uma futura energia./ No solo vira semente?/Vai tudo recomeçar?/ É a falta ou ele que sente/ o sonho do verbo amar?”.

Produtos & Serviços

Boletim Informativo

Notícias da SPBsb

Calendário​

Atividades da SPBsb

Jornal Associação Livre

Ensaios de psicanálise

Alter

Revista de Estudos Psicanalíticos

Textos psicanalíticos

Temas da contemporaineidade