Psicanálise da vida cotidiana – A transitoriedade do viver – 05/07/17

“Deixo que o inevitável dance, ao meu redor

A dança das espadas de todos os momentos.

E deveria rir, se me restasse o riso,

Das tormentas que pouparam as furnas da minha vida,

dos desastres que erraram o alvo do meu corpo.”.

 

Estrofe do poema “Consciência Cósmica” de Guimarães Rosa, em seu livro “Magma”.

A vida é sempre um mistério e nunca será desvendado, ainda que todos os homens de ciência se aprimorem.

Viver é um primeiro grito do infante que perde sua ilusória experiência paradisíaca.

O grito é a primeira expressão corporal, por excelência, em busca do prazer, do acolhimento e da expectativa que o mundo externo, real, seja o menos aversivo possível.

Angústias, morte precoce, pais e mães faltantes afetivamente, alegrias, acolhimento, amorosidade, todos esses eventos mesclam a dança dos contrários e a incerteza do futuro.

“Das tormentas que pouparam… dos desastres que erraram o alvo do meu corpo”, está aí a  metáfora do poema rosiano.

Entre tempestades e naufrágios , a sorte e o imponderável não traumatizaram  pessoas a ponto de interromper os passos de um dança gostosa e bela. Viver é sempre um trânsito, numa estrada cheia de veredas, encruzilhadas, que se abrem em rosas assim como espinhos!

No primeiro verso, o poeta mostra  a ousadia de bailar o que não se controla, mas nem por isso se perde a capacidade criativa de ter pensamentos no desespero, e evitar assim, ações suicidas, homicidas e perversas.

Outro dia alguém me relatou uma vivência dócil: acordou disposto, sentido uma parceria feliz entre seu corpo e sua mente, animado, ávido para trabalhar. Ao sair de casa, beijou carinhosamente  sua esposa e seus três filhos, de uma maneira que não era comum.” Sentí  no profundo do  meu ser, uma delicadeza amorosa que se morresse naquela hora, morreria em estado de êxtase. Pensei e viví imediatamente o inusitado, numa época em que as pessoas vivem uma vida de excesso de individualidade e egocentrismo”.

Esses momentos transitórios de prazer e felicidade urgem serem vividos intensamente, não com o desejo de eternizá-los ( a felicidade é um sentimento transitório ). Tudo que é eterno, absoluto, infindável, perene, não pertence ao reino dos mortais. Somos únicos a cada dia, e isso nos faz viver intensamente momento a momento.

Sejamos ousados e criativos para curtir a vida como um instante, um trânsito, uma viagem que inevitavelmente terá uma estação final; aquela que é impossível construir mais trilhos!

Deixemos que o “Inevitável dance” e recolhamos força de vida para bailar um tango que acabe não em tragédia, mas sim nos enlaçamentos de “pernas afetivas” transformando os momentos da vida num nascer sem traumas trágicos.

 

Carlos de Almeida Vieira – Médico psiquiatra, Psicanalista da SPBsb, Membro da Federação Brasileira de Psicanálise –  FEBRAPSI e da International Psychoanalytical Association – IPA

 

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