Alumbramentos: Marcel Proust

Ler “Em busca do tempo perdido” nunca foi nem será uma tarefa fácil. Para alguns leitores a obra vai se tornando enfadonha, talvez pela expectativa de encontrarem na narrativa proustiana, um estado de prazer constante ou a busca de mais um autor que excite a sensorialidade, a sensualidade, a primeira experiência estética em busca de satisfação e não, de conhecimentos emocional das várias nuances da alma, nem sempre agradáveis.

De antemão afirmo, Marcel Proust gostaria que seus leitores tivessem uma experiência de se ver, de sentir que ele, Proust, está escrevendo sobre eles, ou melhor, sobre todos nós mortais no sentido existencial da “busca do Ser”.

Outros leitores sofrem, releem, ficam detidos em parágrafos por demais complexos, mas se trata de uma prosa poética mais bela da Literatura Universal. Ler Proust é aproveitar uma pessoa genial, intuitiva, capaz de adentrar em experiências íntimas e primitivas da alma, através da sua capacidade associativa. “Nem sempre a maioria das pessoas se dispõe a mergulhar em ‘espaços tão íntimos do ser’. Proust é um prisma” escreve Vladimir Nabokov em seu livro, recentemente traduzido para o português: “Vladimir Nabokov, Lições de Literatura”. Eu diria que Marcel, o menino que deitado em sua cama, descrevia analiticamente estados de mente, alegria e melancolia, além de “pintar” com detalhes, cenas do mundo factual assim como de fatos imaginados.

A mente do nosso escritor escreveu uma obra entre 1840 a 1915, publicada em francês em quinze volumes que correspondem a 4 mil páginas em inglês ou cerca de 1,5 milhão de palavras. Dessas informações de Nabokov uma delas me impressiona: “Proust é um prisma”. Seu único objetivo consiste em refrear, e fazê-lo criar um mundo em retrospecto… No conjunto, trata-se de uma caça ao tesouro, em que o tesouro é o tempo e o lugar onde foi escondido é o passado: esse é o significado implícito do título Em busca do tempo perdido.

Uma viagem, uma travessia em ordem inversa, a partir de memórias livres, perseguindo talvez a grande fantasia do Elo Perdido: ordem inversa num certo sentido de apreensão do método psicanalítico: “As relações ao fluxo do tempo têm a ver com a evolução constante da personalidade em termos de duração, as riquezas insuspeitadas de nossa mente subliminar (inconsciente, o grifo é meu) que só podemos recuperar mediante um ato de intuição, de recordação, de associações involuntárias (associações livres, outro grifo meu) mas também por meio da subordinação da mera razão ou gênio de inspiração interna e da consideração da arte…”

Como psicanalista acho imprescindível à formação de um psicanalista, a contribuição que a Literatura traz no sentido de sofisticar, afinar, aprofundar mais as observações dos estados de mente, particularmente os fenômenos da inconsciência. E observe, prezado leitor, Proust foi contemporâneo de Freud, numa época em que os fenômenos inconscientes, o método da intuição e toda a expressão humana que não fosse racional, lógica, positivista, eram vistos como fenômenos de um “saber menor”.

É claro, inclusive correndo o risco de cansar o leitor, vou me restringir a um momento sublime, de uma arte maior, momento que falou Manuel Bandeira em “estado de alumbramento”. Disse acima que a escrita e a narrativa do “menino asmático” genial são como FlaubertVirginia WoolfClarice LispectorCecília Meireles, e seria um crime esquecer meu querido Paulo Mendes Campos. Sintam, mesmo que achem necessidade de reler, a singeleza, a coisa dolorosa e a forma poética-filosófica com que Proust descreve claros e escuros no subterrâneo do nosso ser, na travessia finita que o nosso nascimento denunciou: a mortalidade humana.

 

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