Numa série de entrevistas que foram feitas à Clarice Lispector, livro organizado por Evelyn Rocha e apresentação de Benjamin Moser,editado por “azouge&editorial, encontrei uma que me fascinou: “Clarice responde: angústia depende do angustiado.” Primeiro, a sensibilidade da nossa escritora em observar, detalhar e procurar em seus textos, os meandros da intimidade da mente humana; segundo, a contribuição que oferece para nós, psicanalistas e qualquer pessoa interessada no estudo da alma humana, para adentrarmos no dito e no não dito a respeito da mente, principalmente às questôes que tocam ao Inconsciente.
Yllen Kerr, logo no início da entrevista, pergunta: O que é angústia? Clarice responde:” Depende do angustiado. Para alguns incautos. Inclusive, é a palavra de que se orgulham como se com ela subissem de categoria, o que também é uma forma de angústia. Pode ser não ter esperança na esperança; conformar-se sem resignar; não se confessar a si próprio; não ser o que realmente se é, e nunca se é; sentir o desamparo de estar vivo; pode ser não ter coragem de ter angústia. Angústia faz parte: o que é vivo, por ser vivo, se contrai.”— O Brasil tem salvação? “Mas é claro, mesmo que demore muito, já que a tantos importa tão pouco. Nossos netos, felizmente, olharão para hoje com espanto”. —Quem é autêntico? “Quem imitasse a si mesmo? Mas isto é frase, e também definiria tédio, por exemplo. Digamos: quem, apesar de procurar o ideal de si mesmo, também procura o real de si mesmo? Enfim, é outra frase. A resposta mais autêntica a quase tudo o que você me perguntou seria: não sei.”
“Angústia faz parte: o que é vivo, por vivo, se contrái”. A angústia é nosso primeiro grito, e Clarice sabia disso, pois o primeiro grito é a primeira contração uterina que nos expulsa para a vida. Trauma do nascimento ou condição intrínseca de origem humana? Esperança, daí a esperança de ter esperança, é que: coloquem-nos nos braços, acudindo a nossa condição de dependência e vulnerabilidade. Coloquem com amor, generosidade e capacidade para desenvolver a maternidade e logo, a paternidade. Há muitos lhes falta essa condição que, ainda ilusoriamente necessária, cria uma “fantasia de porto seguro”. E os de nós, que não tivemos essa recepção primeira? Resta-nos recolher os restos do naufrágio e nadarmos até a praia para que possamos sobreviver. Viver é perigoso, mas viver é também um trabalho psíquico de querer viver. Há os que querem naufragar, por falta de condições reais e também, por falta de ter coragem de viver. Viver é ter força para conter o desamparo sem se desesperar. Alguns conseguem, outros preferem viver eternamente numa espécie de dependência patológica —- a fusão doentia no outro —- a recusa a ser si próprio.
Ser si próprio é como diz Clarice: procurar o ideal de si mesmo como também o real. Entre esta fresta do ideal e o real se faz a vida, se suporta a condição da ilusão e assim o crescimento psíquico se faz.
Ninguém suporta a angústia se não for hospedeiro dela mesma, ainda que isso traga um sofrimento maior. Quando alguém reconhece, como diz a autora: “angústia depende do angustiado”, a pessoa se torna responsável pela própria mente sem ter a necessidade constante de projetá-la fora, nos outros, nos bodes expiatórios da vida. Mas, ser responsável é saber ser responsável pelos próprios instintos, pelas próprias pulsões, tanto de vida como de morte. Somos parteiros de nós mesmos, somos também alguém que pode tirar nossa própria vida. Essa modulação entre viver e morrer(em vida); ser homicida e suicida; ser alegre e triste; ser afinal como um arco-íris, contendo em si várias nuances das cores, é saber suportar a angústia existencial, a angústia de quem vive, a angústia de quem é mortal.
Confessar-se é uma maneira de se conhecer mais, em nossa intimidade, mesmo que as coisas que encontraremos sejam tanto prazerosas como monstruosas. Ao homem espera-se que ele se define como “animal humano”, para que saiba da sua natureza bipolar —- animais e humanos. Sabendo da nossa animalidade podemos cuidar dela — isto se chama Civilização, Aculturação, coisas que alguns e não poucos preferem não ter conhecimento. A ignorância das pessoas, a política de não educar, interessam por demais aos governos semi ou totalitários —- ninguém se confessa culpado ou responsável quando se trata do “pecado” do vampirismo! O Homem talvez seja quem mais angustia os homens! Vivemos na expectativa de sermos devorados pela voracidade de uma minoria que acredita na onisciência, na onipresença e na onipotência. Angústia também é o real do contemporâneo —- a sociedade sedenta de poder e do ter, e não do ser.
Estas associações, eu agradeço no exercício vivo de ler Clarice Lispector. É impossível ler esta pessoa incrível sem se sentir no Labirinto e sem ter momentos de “labirintite”.