Ausência e presença são experiências psíquicas que o ser humano realiza desde dentro do útero e pelo resto da vida. A elaboração da “angústia de separação” é aprendida nos espaço de aparecimento e desaparecimento que se vive na relação com os outros.
O bebê sai do útero e se lança momentaneamente num espaço vazio, de ausência, até o desejado encontro com a mãe ou a pessoa que o acolhe. É nesse espaço vazio que começa a se instaurar a capacidade de estar-sozinho, é o começo de um sentimento de solitude que mais tarde se transforma numa experiência de saber ficar só, consigo mesmo. Habitualmente os pais têm dificuldade de proporcionar a “solidão fundamental” dos seus filhos.
Aqui, solidão não pode ser confundida com abandono, solidão é um momento que se deve curtir a si próprio, ter a condição de preencher o vazio, a ausência, com algo criativo, por exemplo, o brincar ou curtir a própria solidão. Nem sempre a ausência é suportável e, se ela for demorada demais, a criança traduz como abandono, como rejeição, com ausência do “objeto acolhedor”. Inscreve-se desse modo, o medo e o terror em ficar consigo mesmo.
Acontece que, no desenvolvimento das relações com os outros e o mundo externo, a criança vai construindo seu interior e vai assimilando, introjetando e incorporando um mundo psíquico interno, povoado por figuras prazerosas e também ameaçadoras. Isso vai, por consequência, fundar uma interioridade rica ou pobre de objetos internos que será necessária quando se estiver só. Somos sós e acompanhados o tempo todo, somos juntos e separados.
Caso não se tenha condições dessa elaboração, a pessoa tende a se fundir nas outras ou, de uma maneira defensiva e autossuficiente, achar que fazer o que chamo de “ilha autística” seja a solução. Configura-se então, uma vida de medo, perseguição, retração de afetuosidade, espaço interno líquido, sentimento de ausência confundido com abandono.
Numa entrevista dado ao Correio Braziliense a Alexandre de Paula, o ator Matheus Nachtergaele nos brinda com uma criativa solução para a ausência e o sentimento de abandono. Perguntado como ele transforma a questão da ausência em arte, diz: “Não à toa, as pessoas dizem que a gente vai se formando a partir das desventuras, um homem vai se fortificando ao superar suas tristezas, um poema bonito é uma tentativa de superar uma tristeza… eu nasci sob essas circunstâncias, triste, minha mãe se matou logo após o meu nascimento, minha história toda tem sido uma tentativa de me reconciliar com a vida apesar disso. Tive todas as bençãos do mundo, um pai poeta, uma madrasta maravilhosa. E recebi os poemas de mamãe quando tinha 16 anos, no mesmo dia que soube como ela morreu. Tinha, de repente, a fala da mamãe nas minhas mãos, a fala subjetiva de uma poetisa. Sem tentar entender o destino, eu me tornei um ator e portanto um bom instrumento para ser arauto da poesia dela.” Note-se aqui como um ator fala de suas ausências e de sua arte como um substituto das dores.
É verdade, o brincar, como frisei acima e a capacidade estética e artística são meios, recursos de suportar as ausências da vida. Os artista têm essa capacidade por excelência, mas a nós mortais, fica a capacidade criativa e de brincar como sublimação de conflitos e dores psíquicas.
Num outro momento de elaboração da falta, da experiência do não ter, da perda e das ausências do nosso caminhar nessas veredas que fazem parte da vida, outro artista, um poema, um dos maiores poetas da nossa literatura, Carlos Drummond de Andrade, nos oferta mais um arranjo para conviver com as dores do mundo em dois poemas:
– o primeiro , “Ausência” diz assim:
“Subir ao Pico do Amor/ e lá em cima? Sentir a presença de amor./ No Pico do Amor amor não está./ Reina serenidade de nuvens/ sussurrando ao coração: Que importa?/ Lá embaixo, talvez, amor está,/ em lagoa decerto, em gota funda./ Ou? Mais encoberto ainda, onde se refugiam/ coisas que não são, e tremem de vir a ser.” No segundo poema, já ao fim de sua vida, poema com o mesmo nome “Ausência”, torna a cantar poeticamente: “Por muito tempo achei que a ausência é falta./ E lastimava, ignorante, a falta./ Hoje não a lastimo./ Não há falta na ausência./ A ausência é um estar em mim./ E sinto- a branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços/ que rio e danço e invento exclamações alegres,/ porque a ausência, essa ausência assimilada,/ ninguém a rouba mais de mim.”
Um ator, outro poeta, duas “ausências”, duas formas de criar em cima da falta, da “falta do seio provedor” como dizem os psicanalistas.
Já Freud escreveu em seu artigo – “A Negativa”, que o pensamento é um recurso simbólico para elaborar a falta da mãe, a angústia ou angústias de separação. Quando se pensa, quando se cria, quando se brinca, a pessoa está desenvolvendo capacidade para viver perdas, dores, ausências e separações.
Ai daqueles que não podem sentir Saudade!
Palavra própria da língua portuguesa que em outras palavras significa a presença na ausência. Mas para sentir saudade, para sentir a presença na ausência, é necessária uma vida onde predomine o amor, a amorosidade sobre o ódio e o ressentimento. Afinal, o que faz qualquer pessoa se sentir só e não abandonada é a presença de amor dentro dela. O amor a si mesmo e ao outro é a cura para o medo, a angústia ou o desespero de um abandono.