O menino urrava embaixo do viaduto, sua mãe tinha desaparecido e ainda não tinha sido socorrido. Seria acolhido ou seu futuro mostrava o futuro de mais uma pessoa ferida, magoada e transformada em violenta? Na porta da Escola, Virgínia fora atingida por uma bala perdida e antes de chegar ao hospital, falecera. Um político pulou do 25º andar: seu filho de 14 anos tinha aberto a porta do escritório do pai, e o surpreendeu abrindo uma mala de dólares. O Deputado estava alegre, maníaco, contentíssimo e valsando numa atitude de triunfo! Comemorava mais uma das suas façanhas corruptas. Olho no olho, seu filho chorou. O pai tentou abraçá-lo, o jovem correu e bateu violentamente a porta. Num instante inédito, o Deputado, da euforia entrou num profuso choro, olhou os dólares, sentiu-se culpado talvez pela primeira vez na vida. Dirigiu seu olhar à janela, e num ímpeto drástico foi em direção a ela, pulou e se espatifou no jardim do condomínio. Pela primeira vez sentiu culpa e não aguentou; pela primeira vez não encontrou um “bode expiatório” para projetar sua violência, a mesma voltou-se contra ele. Um tiroteio de rajadas de balas de metralhadora feria transeuntes numa avenida de uma cidade grande: morreram oito inocentes, vítimas do tráfico e da guerra entre a polícia e os bandidos.
Muros são construídos para obstruir a passagem desesperada dos imigrantes abandonados, expulsos dos seus países. Num bairro portenho, numa sombria casa de Tango, os casais dançavam, mesas repletas de pessoas olhavam o desenho rítmico da dança argentina e as melodias e acordes dissonantes de Astor Piazzolla. Minutos após, entram três pessoas encarapuçadas e resolvem fazer justiça aos crimes contra Alá, setenta e duas pessoas foram mortas naquela noite de tango. Numa porta de Faculdade duas universitárias são sequestradas, ao lado da mesma Faculdade, uma Delegacia de Polícia, nada se fez e não mais se soube das jovens.
Uma notícia do Estado Islâmico mostrava na televisão um jovem adepto, americano convertido, matando sua própria mãe por ordem dos seus líderes. Na areia da praia, cinco pessoas assassinadas na madrugada por uma gangue de menores ligados ao tráfico. Milhões e bilhões de dólares roubados da Corrupção, dinheiro dos impostos pagos pelos contribuintes, desviados da sua finalidade social, expandindo a riqueza dos homens do poder e de empresários corruptores. O Papa reza pela situação catastrófica na qual o mundo se encontra; minha secretária clama: “começou o fim do mundo”! Pensei: “bem que Francisco poderia ser o governador do mundo atual”. A menina ensanguentada mostra a dor, a solidão e o desespero do “abandono universal”.
O leitor pode estar achando que sou pessimista, não, pelo contrário, ando sentindo que essa nova filosofia chamada de “Neo-realismo” tem fundamentos consistentes. Por falar em “neo-realismo”, lembrei que “os clássicos” são tão reais como, pois clássico é tudo aquilo que sempre é atual. E por falar em clássico, fui procurar em nosso Machado de Assis, alguma crônica que lembrasse o conteúdo desse texto. Achei como sempre procuro na Literatura, e sempre me atende, uma escrita que apreenda os fatos reais e subjetivos da história da humanidade. Não deu outra, encontro uma crônica —- “O Sermão do Diabo”, publicada em Gazeta de Notícias (04-09-1892). Reunido pelo autor em Páginas Recolhidas (1900). Nessa crônica, Machado de Assis diz que: “é um pedaço do evangelho do Diabo, justamente um sermão da montanha, à maneira de São Mateus. Escolhi dos 30 itens, alguns que são atualíssimos. Ei-los:
1- E vendo o Diabo a grande multidão de povo, subiu a um monte, por nome Corcovado, e, depois de se ter sentado, vieram a ele os seus discípulos.
4 – Bem-aventurados os afoitos, porque eles possuirão a terra.
9 – Vós sois o sal do money market. E se o sal perder a força, com que outra coisa e há de salgar?
13 – Ouvistes que foi dito aos homens: Amai-vos uns aos outros. Pois eu digo: Comei-vos uns aos outros, melhor é comer que ser comido; o lombo alheio é mais nutritivo que o próprio.
14 – Também foi dito aos homens: Não matareis a vosso irmão, nem a vosso inimigo, para que não sejais castigados. Eu digo-vos que não é preciso matar a vosso irmão para ganhardes o reino da terra; basta arrancar-lhe a última camisa.
18 – Não façais as vossas obras diante de pessoas que possam ir contá-lo à polícia.
20 – Não queiras guardar para vós tesouros na terra, onde a ferrugem e a traça os consomem, e donde os ladrões os tiram e levam.
21- Mas remetei os vossos tesouros para algum banco de Londres, onde a ferrugem, nem a traça os consomem, nem os ladrões os roubam, e onde irei vê-los no dia do juízo.
22 – Vendei gato por lebre, e concessões ordinárias por excelentes, a fim de que a terra se não despovoe das lebres, nem as más concessões pereçam nas vossas mãos.
24- Não queiras julgar para que não sejais julgados; não examineis os papéis do próximo para que ele não examine os vossos, e não resulte irem os dois para a cadeia, quando é melhor não ir nenhum.
27 – Não deis conta das contas passadas, porque passadas são as contas contadas, e perpétuas as contas que se não contam
Aqui acabo o manuscrito que me foi trazido pelo próprio Diabo, ou alguém por ele; mas eu creio que era o próprio. Alto, magro, barbícula ao queixo, ar de Mefistófeles. Fiz-lhe uma cruz com os dedos e ele sumiu-se. Apesar de tudo, não respondo pelo papel, nem pelas doutrinas, nem pelos erros de cópia”.