Psicanálise da vida cotidiana – Compaixão, inveja e alegria – 07/11/18

           

       

                          “…Seriam os seres humanos tão mesquinhos a ponto de serem incapazes de agir humanamente, a menos que se sintam instigados e por assim dizer compelidos pela sua própria dor, ao ver outros sofrerem?”

                         Hannah Arendt in “Homens em tempos sombrios”.

 

Nesse texto, a filósofa alemã coloca a questão da compaixão e da inveja. Compaixão é um sentimento que se espera que alguém se coloque no lugar do outro dolorido, e desse modo possa mostrar um gesto de humanidade e não de filantropia culposa.

Inveja é um sentimento que aponta para a falta; falta de alguma qualidade que o outro tem e que a pessoa deseja para ela. A inveja é um sentimento doloroso e, dependendo como se reage, o invejoso ataca o invejado, com isso estraga, põe defeito e tenta se livrar da dor. Ninguém inveja o que não presta. Outro modo de se lidar da dor da inveja é se atacar, desqualificando a si mesmo em comparação com o bom do outro. O ideal é que a pessoa possa transformar a inveja em admiração, mas essa mudança é complexa, pois exigiria muita humildade e capacidade de ter prazer com aquilo que é do outro e não, seu.

Hanna Arendt, sensivelmente vai dizer que “O obstáculo para essa alegria (aproveitar com prazer as qualidades dos outros – grifo meu) é a inveja que na esfera da humanidade é o pior vício”. Lamento que Arendt não dava conta que a inveja é a dor da falta, e na falta vem o ódio de ver que o outro tem aquilo que desejo. Uma coisa é a dor da falta, outra coisa é a defesa contra a dor, que é o ataque e a impossibilidade de alegria da qualidade alheia.

Falta à filósofa considerar questões que a Psicanálise pode sentir e entender. Somos animais-humanos, com uma tessitura de bondade e maldade independentes de nós. Nem sempre a violência é justificada pela agressão da realidade. A violência reside em todos nós assim como a amorosidade. Freud nos ensinou que a possibilidade de civilizar os humanos era lidar com suas pulsões, com seus instintos, através da sublimação. Porque será que Nietzsche, tido erroneamente como pessimista, e sim como niilista, sentiu que humanizar poderia se fazer através da ciência (não como verdade última), da arte, da música, e de uma racionalidade que incluísse os afetos?

Fica a questão: nas ideias de Nietzsche sobre a civilização encontramos a possibilidade de que “a arte trágica apareceria como o cimento vivo das sociedades, e o poeta e o homem trágico, como verdadeiros precursores da humanidade”. A racionalidade, a moral cristã foram o empecilho de valorizar os homens como seres afetivos, além de racionais, uma vez que os afetos eram tidos como bruxarias ou qualidades menores, até enlouquecidade dos próprios homens. Nietzsche e Freud resgatam a integração da alma humana, “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, como nos cantou nosso Glauber Rocha.

 

 

 

Carlos de Almeida Vieira – Médico psiquiatra, Psicanalista da SPBsb e da SBPSP (São Paulo), Membro da Federação Brasileira de Psicanálise –  FEBRAPSI e da International Psychoanalytical Association – IPA


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