Denise Fraga, a diva!

 

A vida às vezes parece que conspira. Liguei a TV para assistir Roda Viva, programa semanal da TV Cultura de São Paulo. Não sabia quem seria entrevistado naquela noite, para mim foi uma surpresa maior quando vi que era Denise Fraga. A entrevista foi tomando corpo e, momento a momento, comecei a sentir o que Manoel Bandeira, o nosso poeta querido, chamou de “alumbramento”.

Uma mulher com jeito de mulher, uma mulher com traços leves, suaves, falando, gesticulando, mostrando uma performance genial de uma pessoa que vive sua vida com paixão. Simples, sem estereótipo, livre, solta, deixava as palavras saírem da sua boca como ela bem frisou: o ator entrega as palavras ao público, coisa assim.
Se a gente pensa e reflete sobre o poder das palavras, vamos ver que quem está no palco atuando, “oferece a palavra”. A palavra de uma maneira peculiar, numa “inflexão”(expressão de Denise) que toca, entra na intimidade do ouvinte e traduz o impensável, o não dito, de uma maneira simples mas forte e emocionalmente tocante.
A entrevista caminhava com aquela mulher mostrando que, quando se faz uma profissão por paixão, vê-se a pessoa inteira mostrando sua verdade, sua autenticidade, de uma maneira amorosa consigo mesma e com o público. Denise me surpreendia a cada minuto a ponto de algumas vezes as lágrimas encherem meus olhos.
Uma emoção, uma identificação, uma sensação de que o artista tem esse milagre em si: colocar dentro da alma de quem o ouve, o mistério do Belo, a palavra exata para um pensamento não pensado em busca da verdade. Seus gestos, sua carinha de menina, suas mãos como que bailando no ritmo dos seus sons, suas opiniões, conjecturas e hipóteses sempre em aberto, nunca fechadas. Uma mente pós-moderna, dialética, provocadora, sensível e mais, de um respeito pelo público, pelo social, sabendo lidar com os riscos das tentações narcísicas de uma atriz.
Tergiversando sobre seu trabalho de teatro, de escritora, e particularmente da experiência em representar Galileu Galilei de Brecht, mostrava a todo o momento uma experiência de uma Diva, uma intimidade com o texto e com o autor. Ela passava a beleza de um ator quando sabe de sua função: a função social da arte, a possibilidade de falar para transformar, a competência oral de veicular a comédia e o drama humanos. É difícil exteriorizar o que senti, mas o que me pegou foi algo ligado à epifania, uma revelação, uma descoberta inesperada.
Denise deu um show de experiência artística, de uma mulher, mãe, esposa, atriz, que carrega a singeleza de uma pessoa comprometida com suas funções e atributos. Noção do privado, do público, do sentido político, afinal, da sua missão entre os vivos mortais: atuar para tentar transformar, uma transformação corajosa que vai do narcisismo para o social(ismo) como dizia Wilfred Bion, psicanalista indiano-inglês do século XX. A arte só pode ser arte quando tem uma função social, caso contrário, é um exercício individualista e masturbatório do pretenso artista.
Denise sabe disso quando diz que, “a função falante do ator e a função escrevente do escritor” têm um sentido social, um sentido de levar ao público as alegrias e dores humanas de uma maneira palatável e transformadora.
Ainda sob o impacto da entrevista, novamente a vida conspirando, encontro num belo livro de poemas de Cecília Meireles – “Metal rosicler”, versos que identificam o que senti no encontro virtual com Denise Fraga.

“Falou-me o afinador de pianos, esse que mansamente escuta cada nota e olha para os bemóis e sustenidos ouvindo e vendo coisa remota.
E estão livres de engano os seus ouvidos e suas mãos que em cada acorde acordam os sons felizes de viverem juntos.

Meu interesse é de desinteresse: pois música e instrumento não confundo,
que afinador apenas sou, do piano, a letra da linguagem desse mundo,
que me eleva a conviva sobre-humano Oh! Que Física nova nesse plano
para outro ouvido, sobre outros assuntos”.

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