Psicanálise da vida cotidiana – Guimarães Rosa: 60 anos do Grande Sertão! – 13/07/16

…o Rosa é o fenômeno do artista preocupado, como um pintor que se preocupa com sua tinta. Ele é uma espécie de Van Gogh, de pessoa que queria saber como é que é a tinta, fazer a tinta(apesar de ser um homem paisagístico, não é?), mas ele estava mais preocupado na palavra —Ave, palavra...” Antonio Callado in, “Depoimentos Sobre Guimarães Rosa e sua Obra” Editora Nova Fronteira, 2011.

No fim de 2011 a Editora Nova Fronteira em parceria com a Livraria Saraiva lançou um Box em homenagem a João Guimarães Rosa. São três livros: uma bela re edição do Grande Sertão Veredas; um Manuscrito do Romance – A Boiada, com transcrição do caderno de notas do autor, e um livro de Depoimentos sobre João Guimarães Rosa e sua obra, pelos autores: Antonio Callado, Antonio Candido, Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Paulo Mendes da Rocha e Sérgio Sant’Anna.No próximo dia 16 desse mês estaremos comemorando os 60 anos da publicação do Grande Sertão- Veredas.

É claro que essa data e o lançamento nos remetem à importância de Guimarães Rosa em nossa literatura como também na literatura ocidental. Guimarães foi, é, e será um divisor na história da nossa língua portuguesa. Haroldo de Campos escreve: “Acho que o Rosa é um clássico da língua e um escritor inventor de ponta e com essa característica: como ele tinha um poder linguístico, às vezes parecia que ele estava inventando e ele estava simplesmente ressuscitando palavras que existiam sepultadas num léxico tradicional riquíssimo da língua portuguesa, que hoje em dia cada vez menos é conhecido – as pessoas não tem mais leitura de clássicos, vão direto à comunicação visual, à televisão etc., e não vão aos textos.” Guimarães é (a gente não morre, encanta) escritor, linguista, romancista, escrevendo uma prosa-poética que resgata a singeleza e inocência da linguagem popular.

Seus textos, desde as Estórias aos seus Romances nos coloca diante da condição humana, da existência de Deus, do aspecto demoníaco da pessoa humana, da vida dos oprimidos e da violência dos poderosos. No decorrer das suas narrativas, usando várias vezes a forma de monólogo, Rosa questiona aspectos metafísicos, metamorfóticos, filosóficos, religiosos, ou seja, para mim, leio isso na maioria dos seus críticos, Guimarães Rosa como um pensador.

Seus livros não são apenas para se ler de um modo consumista; suas obras e a intimidade das suas reflexões são para serem sentidas, relidas, experimentadas na nossa própria experiência de vida. Ninguém ler Rosa no racional. Lê-lo é passar pelo aprender da, e pela experiência. É uma leitura angustiante, apaixonante, cuidadosa, simples, poética, épica, mas ao mesmo tempo complexa, pois exige que o leitor tenha uma disponibilidade para “sofrer a leitura”.

Acompanhe caro leitor, o que nos escreve Antonio Candido, escritor e crítico literário: “para mim o mundo de Guimarães Rosa não é em Minas, o mundo de Guimarães Rosa é o mundo. Porque o sertão é o mundo, porque, dentro daquele enquadramento rigoroso, documentário, do sertão mineiro, aquilo serviu de palco para ele desenvolver um drama que ocorre em qualquer lugar do mundo – ocorre em Dostoiévski, ocorre em Proust, ocorre em Sthendal, ocorre em Joyce, que são os problemas do homem: Quem sou eu? Quem é você? Deus existe? Deus não existe? O que é o bem? O que é o mal? O culpado é ele ou sou eu? Isso é a base dos problemas do homem, e é isso que está em Grande Sertão: veredas. Transcende muito o sertão, por isso digo que o sertão é o mundo.”

Relendo essa nova edição do Grande Sertão, tomando sustos e mais sustos com suas narrativas da personalidade humana, na pessoa de Riobaldo, personagem central do Romance, passo uma bela e atualíssima passagem. Trecho que me faz ver quanto Guimarães Rosa é do nosso tempo e quanto podemos retirar contribuições. Assim como na estória fantástica de “Meu Tio o Iauaretê”, texto que Rosa mostra claramente a natureza animal do ser humano, num homem que é índio, é onça, é homem, no início do Sertão Guimarães, em sua beleza de descrição, entra nas questões políticas do nosso povo brasileiro. Um belo exemplo e uma linda metáfora estão escritos na pag. 38 e 39 do livro:

o senhor saiba (diz Riobaldo): eu toda a minha vida pensei por mim, forro, sou nascido diferente. Eu sou é eu mesmo. Divêrjo de todo o mundo… Eu quase que nada sei. Mas desconfio de muita coisa. O senhor concedendo, eu digo: para pensar longe, sou cão mestre – o senhor solte em minha frente uma ideia ligeira, e eu rastreio essa por fundo de todos os matos, amém! Olhe, o que devia de haver, era de se reunirem-se os sábios, políticos, constituições gradas, fecharem o definitivo a noção – proclamar por uma vez, artes assembleias, que não tem diabo nenhum, não existe, não pode. Valor de Lei! Só assim, davam tranquilidade boa à gente. Por que o Governo não cuida?! Ah, eu sei que não é possível. Não me assente o senhor por beócio. Uma coisa é pôr ideias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas, de carne e sangue, de mil-e-tantas misérias…Tanta gente – dá susto se saber – e nenhum se sossega: todos nascendo, crescendo, se casando, querendo colocação de emprego, comida, saúde, riqueza, ser importante, querendo chuva e negócios bons… De sorte que carece se escolher: ou a gente se tece de viver no safado comum, ou cuida só de religião só.

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