“Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo/ Me apavora a renúncia. Dize que eu fique/ Dize que eu parta, ó mãe, para a saudade./ Afuguenta este espaço que me prende/ Afuguenta o infinito que me chama/ Que eu estou com muito medo, minha mãe”.
Versos do poema de Vinicius de Moraes –“Minha Mãe” , do seu primeiro livro
“O Caminho para a Distância”. Ed. Cia. Das Letras,2008.
Relendo o livro “O Caminho para a Distância”, (1933), de Vinicius de Moraes, encontro lá, um belo e profundo poema —“Minha Mãe”. Nesse lírico e sofrido poema, Vinicius mostra a importência da figura materna na vida de um filho. “Tenho medo”, isso se repete na composição e faz sentido, pois a criança nasce marcada pelo desamparo e esse sentimento é carregado pelo resto das nossas vidas. Não o desamparo agudo, sintomático, mas o desamparo como condição existencial do Ser. “o medo dos fantasmas do telhado”; “o sono cheio de inquietude”; “nos meus olhos sem luz e sem repouso/ dize à dor que me espera eternamente”. O poeta intuia, sentia e era capaz de sofrer o que a vida lhe oferecia e lhe ofereceria, gritando e clamando à sua mãe um colo, afagos, proteção, acolhimento e até beijos. É inevitável no começo da existência a sensação de desamparo, o medo do abandono e a fragilidade humana de não poder prescindir da “dependência implícita”. Somos no início, o Outro! O outro é nosso espelho, a nossa referência, aquele que deveria ter (alguns não oferecem) as condições para identificações em busca de formar uma Identidade. “Expulsa a angústia imensa do meu ser que não quer e que não pode/ Dá-me um beijo na fronte dolorosa/ Que ela arde de febre, minha mãe”, canta ainda o poema.
Vazio, falta de gravidade ainda, dúvidas angustiantes quanto ao poder ser acolhido, medo do mundo, do mundo real e mundo imagético de fantasmas vários. “No princípio, se um de nós caía, a dor doía ligeiro. Um beijo seu curava a cabeça batida na terra, o dedo espremido na dobradiça da porta, o pé tropeçado no degrau da escada, o braço trocido no galho da árvore. Seu beijo de mãe era um santo remédio. Ao machucar, pedia-se: mãe, beija aqui”. Fragmento da prosa poética do livro de Bartolomeu Campos de Queirós, “Vermelho Amargo”, tergiversando sobre a importância da mãe, tanto quanto Vinicius. “Vim ao mundo molhado pelo desenlace. A dor do parto é também de quem nasce”, escreve Bartolomeu. Guimarães Rosa no Grande Sertão Veredas, no verbal de Riobaldo, já nos dizia que não tinha mais medo da vida e da morte, medo mesmo era de nascer. Vinicius mostra nesse poema o desespero do medo de viver quando escreve que:”minha mãe, minha mãe, eu tenho medo…dize que eu fique, dize que eu parta, ó mãe, para a saudade. Afuguenta este espaço que me prende. Afuguenta o infinito que me chama. Que eu estou com muito medo, minha mãe”.
O poeta sabia já precocemente que faria uma renúncia —-iria embora para a vida, para esse infinito que o chamava, mas tinha medo. Realmente traz medo, mas dentro de todos nós temos uma força maior que nos joga para frente, para o mistério, para o futuro. Ai daquele que não cuidar bem da sua curiosidade —– ela, a curiosidade, como disse Freud –“o instinto epistemofílico” é uma pressão interna que nos faz expandir nossa vida, sempre procurando experiências novas.
O nosso querido “poetinha”, já jovem, em seu primeiro livro, sabia, como escreveu em outro poema —-“Desde sempre” , que precisava “ fugir para a imagem pura e melodiosa/ mas ouço terrivelmente tudo/ Sem poder tapar os ouvidos”. Vinicius se referia à inevitável demanda do purismo idealizado e da verdade da carne. Vinicius é o poeta da paixão, e como tal, sempre oscilou entre o romantismo idealizado e o realismo da carne, do sensorial e da pele. José Castelo em “Vinicius de Moraes – poeta da paixão—biografia, escreve:“Vinicius, poeta, parodiando Humphrey Bogart, fará uso próprio a seguinte adaptação dessa máxima: “Ser poeta é viver três doses acima”.
SARAVÁ!!! “Dorme, meu filho, dorme no meu peito/ Sonha a felicidade. Velo eu”.