“Vim ao mundo molhado pelo desenlace. A dor do parto também é a dor de quem nasce. Todo parto decreta um pesaroso abandono. Nascer é afastar-se —em lágrimas — do paraíso, é condenar-se à liberdade”.
Bartolomeu Campos de Queirós, in “Vermelho e Amargo”.
Nascer é uma ousadia do ser humano. Quando se vem a esse mundo desconhecido perde-se uma base, uma sustentação uterina, e a partir desse momento somos lançados na possibilidade de transformar o Caos em alguma coisa sustentável.
A mãe de todos nós e seus substitutos simbólicos são a eterna e infindável procura pelo “porto seguro”. No entanto, “porto seguro” é sempre relativo, instável, pois ainda que transmita referência impede a possibilidade de crescimento, de expansão do Ser em direção ao seu trânsito inexorável do nascer ao morrer. Somos seres imperfeitos, vulneráveis, mortais, mas dentro dessa dialética construção-desconstrução, a pessoa exercita seu vir-a-ser dia após dia.
Viver é um exercício permanente que imprime em todos nós um caráter de “angústia existencial”, ou seja, algo que o homem precisa estar em constante transformação no sentido de suportar a nostalgia da ternura perdida sem enlouquecer no vazio, no abandono e na perda de sentido do existir. O homem precisa de referências, mas é imprescindível que se veja também como a sua própria referência. Somos sozinhos e dependentes e nessa díade temos que criar o modo de relacionamento tanto conosco como com os outros.
Na vida há os que foram premiados por mães (e seus substitutos). Essas pessoas foram acolhidas e tiveram referências para criar uma base de sustentação psíquica. Outras sofreram a falta desse amparo, e por consequência, desenvolveram um Eu inconsistente, instável, dando dessa forma, arranjos psicopatológicos que vão desde as crises de pânico aos estados pré-psicóticos e às vezes psicóticos, sem contar com a passagem por comportamentos de adição às drogas e atuações psicopáticas.
Bartolomeu Campos de Queirós, em seu belo livro “Vermelho Amargo”, enfatiza a falta de um colo (referência) quando escreve: “Sem o colo da mãe eu me fartava em falta de amor. O medo de permanecer desamado fazia de mim o mais inquieto dos enredos. Para abrandar minha impaciência, sujeitava-me aos caprichos dos outros. Exercia a arte de me supor capaz de adivinhar os desejos dos outros que me cercavam. Engolia o tomate imaginando ser a ambrosia ou claras em neves, batidas com açúcar e nadando num mar de leite, como praticava minha mãe —- ilha flutuante —com as mãos de amor”… “Impossível para uma criança viver a lucidez da ferida que se abre ao nascer, e não há bálsamo capaz de cicatrizá-la vida afora. Nascer é abrir-se em feridas”.
Atentem, caros leitores, o que o escritor em sua prosa poética revela o sofrimento dos homens quando é predominante na vida de uma pessoa a nostalgia da ternura materna! Acrescento para dizer que também é inexorável essa nostalgia, ela é da natureza do Ser.