Novembro, de Gustave Flaubert

 

“O herói de Novembro, novela autobiográfica que Gustave Flaubert escreveu aos 20 anos de idade, sonha com êxtases místicos, haréns, paisagens desérticas – sonha, enfim, com aquilo que o escritor francês, nessa época, considerava ser o Oriente…. O Oriente é apenas uma miragem que ele entrevê nos momentos de devaneios”.

Sérgio Medeiros, tradução, introdução e notas do livro “Novembro” de Flaubert, traduzido e publicado pela Editora Iluminuras-SP.

Caro leitor, não me refiro aqui ao mês de Novembro de 2015, mês no qual continua a “sombra negra” que encobre o nosso país, de dúvidas, incertezas e falta de governabilidade e projetos para um futuro razoável. Estou escrevendo sabre uma das obras mais geniais que considero, ainda pertencente ao período romântico, ou melhor, a transição do romantismo de Flaubert ao seu realismo a partir do famoso romance Mme. Bovary.

Gustave Flaubert (1821-1880), deixou uma obra relativamente vasta, onde destaco: “Novembro”, “Madame Bovary”(conta a lenda que ele não gostou muito do seu romance e não queria ficar famoso somente por causa dele), “Cartas Exemplares”, “Cartas a Louise Colet”. “Três contos maravilhosos”, principalmente “Um coração simples”. Ainda é imprescindível ler: “A Educação Sentimental” e o famoso texto “Tentação de Santo Antônio”, criticado severamente pela crítica.

Segundo Sérgio Medeiros, Gustave era um homem de uma escrita precisa, exigente, que “escrevia lentamente, precisando de muitas horas para compor uma frase”. Madame Bovary é um exemplo, precisando de “55 meses de trabalho”.

Não é fácil escrever, não é simples achar o nome, a palavra, a representação verbal daquilo que se intui ou daquilo que está na esfera da preconcepção, no inconsciente do autor e na natureza. Clarice Lispector entre nós é um exemplo vivo em “Água Viva”; Graciliano Ramos sempre teve o rigor de enxugar as palavras como as lavadeiras de Alagoas enxugavam seus panos e roupas quando os lavava na beira do rio. “A palavra foi feita para dizer”, dizia o velho Graça, hoje e sempre um autor tão atual, e por isso mesmo, um clássico.

Flaubert, ainda em seus vinte anos, ao escrever Novembro, numa belíssima prosa poética, inicia sua obra assim: “Amo o outono, essa triste estação combina com as recordações. Quando as árvores já perderam as folhas, quando o céu ainda conserva no crepúsculo o colorido avermelhado que doura a grama seca, é doce ver extinguir-se tudo o que até recentemente ardia em nós”. Que beleza de construção e que conteúdo meio melancólico de um rapaz de 20 anos, descrevendo sua tristeza e seu luto que “ardia em nós”!

O escritor tem a sensibilidade e a ousadia de falar não somente dele, ele fala de todos nós, do mundo, da natureza e da realidade psíquica. É uma pena, penso, que os jovens de hoje, e esse país que tanto desmerece a educação e a cultura, não preservem o estudo profundo da Literatura, inclusive com uma forma de vida, como um recurso para sobreviver e como uma das mais ricas sublimações que a mente humana pode usar. A capacidade de sublimar é uma condição essencial de aculturação. E pensar que temos tantos autores, não só os estrangeiros mas os nossos brasileiros, que escreveram e escrevem para a vida, para subsidiar as alegrias e tristezas das “veredas” que se interpõem ente o nascer e o morrer.

Novembro é um canto alegre e triste de um rapaz procurando um sentido para sua existência, quando escreve:” Saboreei por muito tempo minha vida perdida; disse a mim mesmo com alegria que minha juventude havia passado, pois é uma alegria sentir o frio chegar ao nosso coração e poder dizer, apalpando-o como uma lareira ainda fumegante: ele já não arde.”

A música do romantismo, o lirismo contido em suas palavras, a coexistência inevitável da alegria e da dor, os primeiros amores, as iniciais decepções, mostram um Flaubert jovem, romântico, ainda falando e exprimindo seu mundo interior, mas se despedindo(que pena!) para um realismo que começa com Mme. Bovary.

Romantismo é mais do que um período na história da humanidade; romantismo é uma forma de vida, uma apreensão profunda da interioridade tão escassa hoje em dia, no entremeio de um mundo tecnológico e economês, onde o ter sobrepuja o ser, e a experiência emocional fica sepultada na frieza dos quadros depressivos, dos estados vazios, dos “novembros temerosos”, não aqueles que nosso ícone da literatura francesa e universal escreveu: “Digno de pena é aquele que não desejou os cóleras da tragédia, ou que não sabe de cor estrofes apaixonadas para repeti-las ao luar! É encantador viver assim na beleza eterna, agir como os reis, sentir as paixões na sua expressão mais sublime, amar os amores que o gênio tornou mortais”.

Novembro é um texto autobiográfico , corajoso, ousado, de uma textura poética e de uma forma já enunciando o rigor do escritor. Flaubert é um “operário do estilo”, realça Verônica Galindez-Jorge, em seu livro editado pela Ateliê Editorial, “Fogos de Artifício –Flaubert e a Escritura”.

“Não estais cansado como eu de despertar todas as manhãs e rever o sol? Cansado de viver a mesma vida, de sofrer a mesma dor? Cansado de desejar e cansado de estar desgostoso? Cansado de esperar e cansado de possuir?”

Aproveito esse trecho de “Novembro”, deslocando para nossa realidade atual. Pode-se falar a mesma coisa, com outro sentido, mas como uma imagem metafórica daquilo que atravessamos nesse Brasil cansado, sofrido, em crise de governabilidade, sem identidade política e, “no berço esplêndido” tendo pesadelos diários sem capacidade de acordar.

Entre angústias e medos, ler ou reler Novembro de Flaubert pode ser um momento de alento naquilo que alguns chamam de: “a arte terapêutica da Literatura.”

Produtos & Serviços

Boletim Informativo

Notícias da SPBsb

Calendário​

Atividades da SPBsb

Jornal Associação Livre

Ensaios de psicanálise

Alter

Revista de Estudos Psicanalíticos

Textos psicanalíticos

Temas da contemporaineidade