O Brasil psicotizou

A esquizofrenização do Sistema

Há anos, quando me especializava em Psiquiatria, na cidade de São Paulo, era influenciado pelos paradigmas da Psiquiatria Alemã do Século XIX. O Idealismo germânico, o positivismo científico, a medicina organicista, todos esses fatores convergiam para pensar os fenômenos mentais e psicopatológicos como experiências determinadas por uma causa neurológica, cerebral, química. Logo depois, com o advento da psicanálise e da psiquiatria francesa, principalmente oriundo das ideias de Henry Ey, a psicopatologia e os estudos dos fenômenos mentais já acrescentavam em suas origens a questão da psicodinâmica, consequência dos trabalhos de Eugen Bleuler e, principalmente de Sigmund Freud.

Mesmo assim, o diagnóstico dos distúrbios esquizofrênicos era baseado em sintomas patognomônicos, ou seja, essenciais, tais como: distúrbio grave da afetividade, fenômenos de dissociação ideo-afetiva; distúrbios do curso e conteúdo do pensamento e senso-percepção (delírios e alucinações), e distúrbios do pragmatismo, todos resultado do desenvolvimento de ideias alucinatórias e delirantes. Geralmente delírios de grandeza, de onipotência, onisciência e de ideias religiosas messiânicas.

Acrescido dessa herança alemã e francesa, a psiquiatria evoluiu também para a chamada —Antipsiquiatria — movimento surgido na Inglaterra e na Itália, que advogava os distúrbios psicóticos como resultantes de uma “linguagem de duplo sentido” e uma atitude afetiva de “duplo vínculo”. Como as crianças e os jovens poderiam se identificar com referências identificatórias que se mostram esquizo, cindidas, absurdas, ambivalentes e num jogo de emissões de uma ética perversa? Um pai que batia violentamente em seus filhos e contraditoriamente era afetivo, uma mãe ausente, um discurso político dissociado com o “princípio da realidade”, governos que afagavam o povo(assistencialismo falso) e ao mesmo os mantinha numa servidão, ao domínio do poder capitalista explorador do seu voto para obter lucros a uma pequena parcela ínfima, mas poderosa, de donos de currais eleitorais e maquinações através de distribuições de cargos e benefícios.

Todos esses aspectos inferem a possibilidade de que alguns detentores do Poder psicotizaram, e o povo, consequência implícita, está desorientado, descrente, vivendo angústia de abandono e fantasias de falência, tanto material quanto existencial. Preocupar-se em melhorar condições materiais(prioridades) deixa um vazio na formação humanitária vinda da Educação, e cria assim, uma comunidade sedenta pelo consumo, orientada pela inveja e voracidade mas endividada e enlouquecida. Instala-se um sentimento de perda de identidade, de brasilidade e um vazio depressivo, inclusive sem condições assistenciais especializadas em tratar esses distúrbios.

Detalho agora, dados retirados da mídia, de declarações de governantes e políticos, de reuniões dentro do Congresso Nacional e dos outros poderes, os sintomas que chamo de “psicotização”.

1- A relação afetiva é clivada, pois a maioria das leis não respeitam a condição existencial do eleitor. É um faz de conta que não leva em consideração o sofrimento, o afetivo, a carência de um povo. Resultado: o discurso é vazio, enganoso e descomprometido com o respeito humano para com os eleitores. Diz-se uma coisa, faz-se outra; promete-se um programa e não o cumpre; põe-se a culpa fora, no exterior e não se assume os erros da administração. O esfacelamento dos partidos; os conluios com o governo, ora de um lado ora de outro, deixam a descrença de que não se leva a sério os “projetos”. Reforma ficou uma palavra vazia, uma palavra descomprometida com o coração dos reformuladores.

2- Consequência dessa fratura entre o ideológico e o afetivo soma-se a um discurso maluco, sem pé sem cabeça, sem paradigmas políticos, sem coerência com qualquer programa. Os filhos (povo) não acreditam mais nos pais. Vão às ruas, protestam, os pais prometem enfatizando a função de uma “democracia”, no entanto, no outro dia parece que ficaram “autistas”, “insensíveis” e o baile trágico continua. A música é o “samba do criolo louco” de um lado; e “passei a noite procurando tu”, do lado do povo, mas não se acha nunca esse tu. Não existem grupos de liderança fora de interesses partidários.

3- O pragmatismo é sem planejamento, sem controle de obras, sem fiscalização das obrigações, sem coragem de cortar gastos públicos, diminuir despesas com inúmeros Ministérios, pelo contrário, há um laisse-faire com as empresas em conluio para postergar obras, supervalorizá-las e eternamente lucrar, num enriquecimento que ficou transparente demais após o trabalho da Procuradoria e da Polícia Federal.

Conclusão incipiente: O governo (os pais) precisa ter a coragem de arrumar a própria casa; de diminuir o número de funcionários como cabide de empregos eleitoreiros; uniformizar os aumentos de todos os servidores da Nação, sem medo de que algumas metas não possam ser aprovadas; retomar a seriedade do tratamento das áreas de Educação e Saúde; reconhecer que nessa crise as soluções são suprapartidárias; criar um Conselho de pessoas representativas da sociedade sem comprometimento partidário, sem interesses lucrativos, pessoais e grupais. Democracia não é somente a liberdade de ir às ruas, Democracia é ouvir e atender às necessidades da população. “Liberdade”, “Igualidade” e “Fraternidade”.

Oxalá, caros leitores, que o remédio não seja o da psiquiatria clássica, nosocomial, onde os pacientes eram tratados com eletrochoque e psicotrópicos para que ficassem quietos e não perturbassem a sociedade. A loucura maior, hoje, está fora dos sanatórios, dentro de nós, os chamados “normais”, e é de nós que devemos cuidar retirando soluções criativas. Cuidar da nossa arrogância, estupidez, onipotência; dos nossos delírios megalomaníacos reunidos em grupos; das ideias delirantes de manutenção no poder eterno; da reflexão que essa Nação não pode mais se enganar com Carnaval, futebol e samba — A festa acabou! Precisamos nos curar para sermos uma sociedade justa, humana e que, se não cuidar da Educação e da Saúde basicamente, não existe progresso tecnológico e material que nos faça sair da “Casa Grande e Senzala”.

A solução não aponta nem para uma Ditadura nem para a preservação de um populismo que não deu certo. Nosso país está doente de ética, de capacidade de encarar as verdades, dos frutos da ganância e do enriquecimento ilícito; das obras monstruosas superfaturadas; da violência individual e grupal contra a população; de falta de humildade e de capacidade para tolerar os erros e procurar saídas sadias, não dentro de grupos pequenos, mas entre as representações da sociedade por pessoas pensantes, afetivas e que amem a Nação e não o “individualismo patológico” narcísico e destrutivo. E tudo isso cabe no clamor do povo nas ruas. O “animal-humano” necessita saber que humanizar é cuidar da animalidade cruel que existe dentro de todos nós.

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