O resgate dos afetos

O chamado período pós-moderno vem se caracterizando por um tempo de escassez de Afetos, medo de amar, dificuldade de ser generoso e principalmente um comportamento humano baseado na inveja e voracidade (violência sádica). O homem atual prima por uma atitude narcísica, de uso dos seus semelhantes para obtenção de prazer sem compromisso afetivo. Vivemos a época do Vampirismo. É só adentrar nas livrarias para enxergarmos em suas estantes, à venda, centenas de romances e livros dedicados a um perfil vampiresco.

O que é um vampiro? Vampiro é uma pessoa profundamente desamada, vazia, líquida, sem consistência interna, que a despeito de “se alimentar do sangue alheio” crê na possibilidade de resgatar seu amor próprio, sua profunda baixa autoestima. Vampiros são pessoas que perderam precocemente seus objetos de amor, desamor de pais e desapontamentos graves na vida afetiva; são também crianças que nasceram com uma volúpia exagerada de fome e inveja — uma oralidade constitucional —  como dizem os psicanalistas. A sabedoria popular tem um ditado que diz: “taça de carente nunca transborda”. Como consequência, essas pessoas têm um funcionamento mental que prioriza adquirir bens materiais, bens de consumo, como se resolvesse um “buraco depressivo” originado pela falta de amor. Talvez isso seja representado pelo comportamento da classe dominante, dos traficantes, dos corruptos e de todos aqueles que usam o poder como forma de sugar tudo dos seus semelhantes. O maior exemplo é o cenário que se descortina no Brasil como produto da Corrupção, mantendo sempre presente a cultura da “casa grande e senzala” traduzida numa “democracia presidencialista” e um “populismo assistencialista” onde o povo e a classe média são assaltados dia a dia.

No que toca à dinâmica individual e não grupal, as relações são de uso material, sexual, mostrando um perfil psicopático e perverso onde o homem é o lobo do próprio homem. No âmbito macroscópico é só olharmos para os Imigrantes mortos ou expulsos das suas pátrias a mendigarem um lar, um país, um acolhimento que o mundo do primeiro mundo a cada dia se justifica não acolher e não se sentir responsável e culpado. Vivemos uma época do medo, do abandono e da falta de perspectiva de uma vida civilizada, onde o amor predomine sobre o ódio e a generosidade ganhe do narcisismo mortífero.

Em 1940, o poeta maior, Carlos Drummond de Andrade, escreveu um poema chamado de “Congresso Internacional do Medo”. O canto de desabafo do poeta diz:

“Provisoriamente não cantaremos o amor,

que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.

Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,

não cantaremos o ódio porque esse não existe,

existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,

o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,

o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,

cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,

cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,

depois morreremos de medo

e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.”

 

O poema é melancólico, depressivo, mostrando a esterilização dos afetos, o desafeto. Há um recuo da capacidade para amar, por quê? Há um medo de amar, um medo de se comprometer numa parceria e num grupo. Num tempo de gulodice, num tempo de muita avidez e inveja, a consequência inevitável é a anorexia, uma “anorexia afetiva”, onde recuar mostra o pavor em sofrer. No entanto, quando se recua para não sofrer, amor também não virá e a vida fica vazia, sem significado, pobre psiquicamente, com o aparecimento de estados de “como se”, de estranheza e de vacuidade. Não é por acaso que hoje as patologias mais frequentes são: de um lado as drogadições, às drogas e às pessoas; do outro, a depressão, chamada pelo psicanalista egípcio, André Green, de “depressão branca”. Depressão, diz o autor: é um estado permanente de desinvestimento amoroso (libidinoso). A amorosidade é retraída, significando a inexistência de sentido afetivo senão o buraco branco do negativo. É o próprio núcleo psicótico reafirma Green em seu belo, profundo e doloroso livro: “Sobre a Loucura Pessoal”.

Nesse momento e para terminar meu escrito de hoje, penso em Cecília Meireles num pequeno ensaio do seu livro: ‘Episódio Humano – prosa,1929/1930′. O ensaio veio por associação ao que acabo de escrever e se chama —-“Aquele mundo que perdemos…”. Escreve a autora:

“Tiraram-nos então desse mundo, e levaram-nos para o seu. No seu, tudo tem nome determinado e uma utilidade imediata. Não há mais coisas para viverem conosco. Há, somente, coisas para nos servirem. Não nos podemos demorar diante da paisagem pela simples alegria de a sentirmos bela. É preciso seguirmos o caminho da vida. Mas para onde é que leva essa vida que os homens inventaram? Por que é que os homens acreditam que ela é melhor que a outra, a outra que nasceu de si mesma, que brotou como as fontes e que iria cantando até o mar? Agora, cantando, evidentemente, não irá. E o mar, também, depois de tantos transtornos, não temos nenhuma esperança que exista: e não sabemos, portanto, se o há de alcançar ou não.”

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