Psicanálise da Vida Cotidiana: Lições de Literatura Russa – 03/02/16

Em 2014, a Editora Três Estrelas lançou no Brasil o livro: “Lições de Literatura Russa” do professor, escritor e crítico, Vladimir Nabokov, com edição, introdução e notas de Fredson Bowers e tradução de Jorio Dauster. O livro é resultado de vários cursos, dados em universidades americanas durante as décadas de 1940 e 1950. Em 1981 as aulas, finalmente, foram editadas graças ao editor Fredson Bowers.

O conteúdo dessa obra versa sobre escritores que formam as bases da literatura russa: Dostoiévski, Gógol, Górli, Tchekhov, Tolstói e Ivan Turguêniev. São notas críticas às obras e transcrição de algumas de cada autor.
Hoje, vou me referir ao escritor Ivan Turguêniev (1818-18830). Oriundo de família rica nasceu na Rússia Central, na cidade de Orel. Teve uma educação rígida, principalmente por parte de sua mãe, uma figura um tanto sádica e pouco afetiva. O pai, uma pessoa calada, temperamento difícil e muito pouco afetiva. Pelo fato de Turguêniev se interessar pela vida dos servos e as questões escravistas, sua mãe “cortou a mesada, obrigando-o a viver na penúria, malgrado a rica herança que o aguardava”.

Após estudar na Universidade de Moscou, finalmente se identifica mais com uma universidade em Berlim entre os anos de 1838 e 1842. Aí entra em contato com a filosofia idealista alemã e se beneficia das ideias de Hegel. Poeta por acaso, no ano de 1847 adota a prosa como sua forma de composição literária e publica um conto, “o primeiro da série intitulada Memórias de um Caçador”, e se firma como escritor. “Uma prosa fluente, plástica e musical” frisa Nabokov, prosa que contém a preocupação do autor com os servos, “apresentando não apenas um estudo psicológico pormenorizado, mas indo além ao idealizá-los como possuindo uma qualidade humana superior à de seus desalmados senhores”. Ivan tinha uma nítida consciência do social e da condição da escravatura russa, colocando-se desde pequeno no lugar daquelas pessoas excluídas.

É uma obra que mostra como a Literatura pode ser um fator transformador no que toca às questões sociais. O professor Nabokov cita em seu livro que: ”Após a morte de Gógol, Turguêniev escreveu um curto artigo que foi cortado pela censura de São Petersburgo; no entanto, quando enviou a Moscou, o censor o aprovou e a matéria foi publicada”. Seu primeiro romance foi “ Rúdin”, e logo seguido de “Ninho de fidalgos” e “Na véspera”, mas sua obra que alcança seus méritos foi “Pais e filhos” escrita em 1862.

Na contramão dos seus escritos, aparece em 1860 um conto que fica famoso –“Pervaía Liubov”( Primeiro Amor ). O conto foi escrito quando Turguêniev tinha 42 anos, tendo repercussão e admiração em Henry James e Gustave Flaubert. Numa grande pincelada romântica, o autor envereda por uma escrita linda, simples, estilo prosa poética para narrar uma história de amor, do primeiro amor, como sempre uma experiência avassaladora, turbulenta, navegando por entre alegrias e profundas dores.

A história é curiosa: um grupo de amigos se reúnem e fazem uma aposta para cada um narrar o seu primeiro amor. Vladimir Petróvitch, o personagem, um garoto de 16 anos se apaixona desvairadamente por uma jovem linda, Zinaida que é descrita assim pelo narrador: “A poucos passos de mim, numa clareira, entre arbustos verdes de framboesas, estava uma menina alta e formosa, num vestido de listras cor-de-rosa e com um lencinho branco na cabeça… Minha espingarda escorregou e caiu no chão, esqueci tudo, devorei com o olhar aquela cintura esbelta, o pescoço, as mãos bonitas, os cabelos louros, ligeiramente despenteados por baixo do lencinho branco, os olhos inteligentes semicerrados, as pestanas e a face tenra abaixo delas…”

É uma bela e violenta paixão que Turguêniev narra, pintando detalhes de sedução, do narcisismo exuberante da jovem, da impotência do amante em ter a correspondência da sua paixão. São descrições belíssimas desvendando o sofrimento, o violento jogo da sedução e do desejo e seus momentos dolentes.
Ivan Turguêniev, nessa novela adota, como escreve Rubens Figueiredo na introdução da versão brasileira: “a perspectiva de um adolescente e, desse ângulo, põe em questão a idealização das relações afetivas e os pressupostos do romantismo, que a Rússia importara em bloco da Europa ocidental, décadas antes”.

Turguêniev morre na França em 1883, tendo seu caixão sido levado de trem para a Rússia. Foi homenageado por populares e se transforma num ícone da Literatura Universal e Russa. É dessa literatura que Vladmir Nabokov vai nos oferecer lições magistrais, lições de história, de política e do sofrimento de um povo correndo ferozmente em direção à liberdade.

“De resto, naquele momento, eu não conseguia observar quase nada: movia-me como num sonho e sentia em todo o meu ser uma espécie de bem-estar tão intenso que me deixava à beira do estupor” (fragmentos do livro “Primeiro Amor”)

 

 
 

 

Carlos de Almeida Vieira – Médico, Psiquiatra, Psicanalista da Sociedade de Psicanálise de Brasília SPBsb, Membro da Federação Brasileira de Psicanálise –  FEBRAPSI e da International Psychoanalytical Association IPA/London

Coluna publicada todas as quartas-feiras no “Blog do Moreno” de O Globo

 

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