Psicanálise da Vida Cotidiana: Humberto Eco – 24/02/16

“A literatura, contribuindo para formar a língua, cria identidade e comunidade. Falei antes de Dante, mas pensemos no que teria sido a civilização grega sem Homero, a identidade alemã sem a tradução da Bíblia feita por Lutero, a lingua russa sem Puchkin, a civilização indiana sem seus poemas fundadores”. Humberto Eco em “Ensaios sobre a Literatura”, Ed. Record.

O mundo brilha menos, a Itália e o mundo  estão em luto, a comunidade humanística e científica sofrem uma perda maior, nós os leitores teremos a partir desse momento, de ler, reler e reler a obra que nos deixa Humberto Eco.

Instigante, às vezes irônico, mas de uma ironia nada contra ninguém e sim criativa, ética, buscando em toda a sua obra e seu pensamento – a Verdade. O mundo não é mais o mesmo quando se perde um gênio. Quero frisar gênio como uma pessoa ímpar, com uma capacidade de apreensão do indizível, do inefável e daquilo que as pessoas comuns não exergam. Um gênio retira de sua personalidade inquieta, sofrida, angustiante e por demais curisosa, capacidade para apreender o que não se pensa comumente. Humberto Ecco, como diz êle próprio, não acreditava numa felicidade constante e sim numa inquietude propulsora da criatividade e do descobrimento de verdades. Filósofo, escritor, jornalista, ensaísta, crítico literário e romancista, deixa ao mundo uma biblioteca, um acervo de escritos que jamais se preocupou com chegar à causalidade, ao “númeno” de Kant. Sua obra é aberta( o nome da rosa), inconclusa e como tal, uma obra que faz parte da cultura contemporânea e nos coloca diante de questões filológica, política, literária, histórica e filosófica. Ler Eco é uma tarefa difícil, mas enriquecedora, pois nos leva à Idade Média( uma das suas especialidades) até a atualidade dos E-books.

Seu compromisso sempre foi a procura da Verdade, mesmo que saibamos que sempre chegamos perto dela, sempre. É isso que alimenta a curiosidade, a ciência e as letras. Nessa procura Humberto Eco nos lembra do “Aleph” de Borges e no Aleph de Dante. Em seu livro “Sulla Letteratura”, traduzido no Brasil em 2003 por Eliana Aguiar, editora Record, o italiano nos oferece um ensaio crítico sobre a literatura. Num dos capitulos, “Sobre algumas funções da literatura”, afirma que “a literatura mantém em exercício, antes de tudo, a língua como patrimônio coletivo”. Mostra como sua inquietude em procurar a verdade se assemelha aos caminhos tortuosos de Dante e a obsessão de Borges em direção ao seu Aleph. Que é o Aleph? O Aleph é  aquele ponto de onde se vê todo o universo, frisa Humberto e escreve: “Devemos realmente encontrar o espaço do universo onde personagens vivem e determinam nossos comportamentos, de forma que os elegemos como modelo de vida, nossa e dos outros, e nos compreendemos muito bem quando dizemos que alguém tem complexo de Édipo, um apetite gargantesco, um comportamente quixotesco, os ciúmes de Otelo, uma dúvida hamletiana ou é um irremediável Don Juan, uma Perpétua. E isto, em literatura, não acontece somente com os personagens, mas também com as situações e os objetos”. Ou seja, Literatura é vida pura, é uma forma de viver e aprender a viver.

Na procura da verdade, Humberto Ecco aproxima Dante de Borges, e citando De Sanctis, escreve: “… sua leitura do Paraíso é uma obra prima de tormento interior — aqui digo e aqui nego —- de entusiasmo e de desconfiança. De Sanctis, leitor agudíssimo, logo se dá conta de que, no Paraíso, Dante deve falar de coisas indizíveis, de um reino do espírito, e se pergunta como o reino do espírito “poderia ter uma representação”. Portanto —diz—para tornar artístico o Paraíso. Dante imaginou um paraíso humano, acessível aos sentidos e à imaginação”. Já em Borges, nosso ícone argentino, lembra o ponto especial do qual se vê tudo. Literalmente escreve: “ …aquele ponto fatal do qual se vê o populoso mar, a aurora e a noite, as multidões da América, uma teia de aranha argêntua ao centro de uma negra pirâmide, um labirinto espedaçado em Londres, uma pátio interno da rua Soler com os mesmos paralelepípedos vistos trinta anos antes no pórtico de uma casa da calle Frey Bentos, cachos, neve, tabaco, veias de metal, vapor d’água, convexos desertos equatorianos, e em Inverness uma mulher inesquecível, e em uma casa de Andrigué um exemplar da primeira versão de Plínio… portanto o Aleph de Dante é mais passionalmente rico de esperança do que aquele alucinado de Borges, que bem sabia que o Empíreo não lhe fora concebido, e restava-lhe apenas Buenos Aires”. Mas tanto Dante quanto Borges humanizaram seus sonhos e suas viagens —- voltaram à terra, onde vivem os humanos, deixando a perfeição para Beatriz e o Aleph.

Humberto Eco é isso —-uma viagem permanente por entre mistérios, dúvidas e incertezas, mas nada anárquico e sim “quântico”, em forma de espiral que nunca se satura. É isso que nos deixa Eco e fará sempre um eco: o conhecimento é infinito e informe.

Humberto Eco nasceu em Alexandria, em 5 de janeiro de 1932. Sua vida foi dedicada à carreira acadêmica. Doutor em Filosofia pela Universidade de Turim. Vendeu 50 milhões de exemplares do seu romance “O nome da Rosa”, traduzido em 43 idiomas. Seria infindável nomear seus títulos, artigos, livros e entrevistas.

 

 
 

 

Carlos de Almeida Vieira – Médico, Psiquiatra, Psicanalista da Sociedade de Psicanálise de Brasília SPBsb, Membro da Federação Brasileira de Psicanálise –  FEBRAPSI e da International Psychoanalytical Association IPA/London

Coluna publicada todas as quartas-feiras no “Blog do Moreno” de O Globo

 

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