O tempo em que vivemos

“Verdade num homem não é só um provérbio……é tão vital quanto a visão. Se existe alma existe verdade…se existe homem ou mulher existe verdade…Se existe físico ou moral existe verdade. Se existe equilíbrio ou vontade existe verdade…se existem coisas sobre toda a terra existe verdade. Ó Verdade da terra! Ó verdade das coisas! Decidi ir até o fim pra chegar até você. Soe sua voz! Escalo montanhas ou mergulho no mar pra te encontrar.

…Mas que a nova regra governe como a alma governa, como governam o amor e justiça e a igualdade que existem na regra da alma.

…O juiz perfeito nada teme… poderia ficar cara a cara com Deus. Diante do juiz perfeito todos recuam…a vida e a morte recuam…céu e inferno recuam”.
Walt Whitman em “Folhas de Relva”.

Vivemos em tempo de mentiras. Vivemos em tempo de crise por causas de centenas de anos de mentira política. Vivemos da mentira de dizer a verdade da ciência política, quase nunca praticada em sua essência: ”Estado laico, participação política, cidadania, resolução das questões sociais” – passaram de longe de se realizar de modo pleno; em verdade, nem mesmo as garantias mais básicas com a vedação da tortura são obedecidas pelos principais baluartes da “democracia”.(basta pensar em Guatánamo), citação de Vitor Bartoletti Sartori in “Filosofia, Ano IX no.116).
Vivemos do que, nesse momento crítico onde as referências de coesão, integração e conteúdo do pensamento pulularam num dia de domingo de Abril, no Congresso Nacional? Vozes de Deputados eleitos pelo povo clamando a Deus a “salvação da pátria”; ainda Deputados em nome de esposa, da família, dos filhos; outro deputado homenageando durante seu voto um militar torturador do Golpe de 1964; outro, de modo irresponsável levando seu filho para votar; agressões verbais e até cusparada; todos enfim, salvo poucas exceções, clamando por Deus, por Israel, como pessoas desesperadas, agressivas , perseguidas, reacionárias, populistas, onde os culpados sempre estão fora, projetados em outros e não em si mesmos. É bem verdade que isso é a cara do povo brasileiro que votou em seus eleitos. 
Vivemos em estertores de uma chamada direita conservadora e uma dita esquerdade populista. “O ridículo da situação é evidente na medida em que justamente aqueles que se contrapuseram à “ordem” pós-1964 (tanto a intelectualidade do PSDB, quanto do PT ), ao buscar compor governos com base na conciliação e na negociação com aqueles mesmos que apoiaram a ditadura militar, acabaram indiretamente propiciando as condições para que soluções negociadas e conciliadoras fossem vistas como sinônimo de democracia, restando a “democracia radical” (defendida por um autor como Habermas) como algo, ao fim, inalcançável, e mesmo indesejável: trata-se de “governabilidade”, afinal de contas. E o momento atual é aquele em que a sujeira já não cabe mais “embaixo do tapete”, frisa ainda Vitor Bartoletti em artigo citado acima. Essas alianças espúrias, ainda que pagando um custo alto, mesmo assim implantaram medidas para conter a miséria, mas a consequência de tais alianças trouxeram um preço altíssimo que estamos pagando num país que desce a ladeira da insolvência.
Vivemos em que época, 1500? Vemos que nosso país já se desenvolveu desde o Império, mas em alguns pontos estamos a repetir, repetir, repetir. Repetir uma classe política, egocêntrica, imperialista, escravocrata, da cultura da “casa grande senzala”, na qual o poder se perpetua entre famílias e entre postura conservadora e populista que não abdicam dos seus benefícios próprios pelas questões sociais. Uma cultura onde, principalmente a Educação não é meta, o que ameaçaria seus fundamentos conservadores. Uma cultura da “acumulação por espoliação”. “Verdade num homem não é só um provérbio…é tão vital quanto a visão”, escreveu Walt Whitman. Mas parece que existem pessoas que não têm capacidades para ser verdadeiras, que não têm compromisso com a verdade nem com o amar. Parece que existem pessoas que não amam nem se dispõem à verdade. O que esperar dessas pessoas? Eis aí uma questão que remeto o leitor a um texto de Fiódor Dostoiévvski —– “Memórias do Subsolo” quando o mesmo se pergunta:”…o que se pode esperar do homem, como criatura provida de tão estranhas qualidades? Podeis cobri-lo de todos os bens terrestres, afogá-lo em felicidade, de tal modo que apenas umas bolhazinhas apareçam na superfície desta, como se fosse a superfície da água; dar-lhe tal fartura, do ponto de vista econômico, que ele não tenha mais nada a fazer senão dormir, comer pão de ló e cuidar da continuação da história universal —- pois mesmo neste caso o homem, unicamente por ingratidão e pasquinada, há de cometer alguma ignomínia. Vai arriscar até o pão de ló e desejar, intencionalmente, o absurdo mais destrutivo, o mais entieconômico, apenas para acrescentar a toda esta sensatez positiva o seu elemento fantástico e destrutivo”. 
Já é hora de sermos verdadeiros, de assumirmos nossa responsabilidade quando das urnas, de os eleitos praticarem a verdade com fins sociais e não a avidez e voracidade tão transparentes. Seja que governo for que assuma ou que continue – não temos mais motivos para um “suicídio” intencional da república democrática!

 

Carlos de Almeida Vieira – Médico, Psiquiatra, Psicanalista da Sociedade de Psicanálise de Brasília SPBsb, Membro da Federação Brasileira de Psicanálise –  FEBRAPSI e da International Psychoanalytical Association IPA/London
Coluna publicada todas as quartas-feiras no “Blog do Moreno” de O Globo 

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