O que distingue o ser humano dos animais ditos inferiores é a sua capacidade de pensar. Pensar, e digo pensar não como uma função meramente intelectual e sim, uma operação psíquica que conjuga a racionalidade com a afetividade. Pensar a “experiência emocional”. Experiência que o Romantismo trouxe ao mundo tentando fazer uma conjunção feliz com o Iluminismo onde só se considerava a Razão e não a Emoção. Movido pelo ódio, a pessoa tende a se livrar dele, agredindo, se vingando, colocando nos outros ou mesmo agindo de uma maneira destrutiva e cruel. No entanto, podemos imaginar que nossa mente, e isso é uma verdade e tem uma fundamental importância no crescimento psíquico, tem uma “função digestiva” para fazer frente à sentimentos indesejáveis. Pode conter o desconforto, suportando-o e, desse modo começar a refletir.
Atualmente vivemos numa sociedade que parece que perdeu a capacidade para examinar os fatos, refleti-los, meditá-los e pensá-los antes de agir. É claro que habitamos num mundo atual por demais aversivo, agressivo e, por incrível que pareça regride a cada dia para comportamentos bárbaros. Nunca se destruiu tanto a natureza e nunca se matou tanto uns aos outros. Todo o dia escutamos e vemos nos meios de comunicação, verdadeiros atos de extermínios, tanto por fome, miséria, abandono como também por crueldade, ânsia de poder, terrorismo e governos movidos por interesses próprios destruindo os habitantes do planeta. No ambiente micro encontramos também crimes hediondos, no próprio seio das famílias, em gangues organizadas e setores de poder do narcotráfico, de quadrilhas de corruptos, de roubos, assaltos e homicídios.
Saímos de casa sem saber se há volta; andamos nas ruas e somos assaltados, sequestrados e admoestados; vamos ao campo de futebol e homicídios acontecem; passeamos nas praças e somos estuprados, vilipendiados e às vezes, queimados vivos; não se brinca mais nos parques sem o temor do crime; não se namora mais sem sentir o prazer do amor e sim o medo do assalto; não se atravessa as faixas de pedestres impunemente; não se almoçam em restaurantes cientes de que sairemos sem sermos roubados; residimos em condomínios que mais parecem uma “reserva de índios” atemorizados com os civilizados; não conseguimos ir à praia que não sejamos vítimas de arrastões; os impostos pagos não são mais revertidos em segurança pública; blindam-se os automóveis; passeamos com seguranças; quando vamos ao teatro não sabemos se vamos chegar em casa; não dormimos sem o pesadelo de sonhos mortíferos; os hospitais internam seus pacientes nos corredores onde as macas são o próprio chão; as parturientes parem nas ruas; as crianças choram e se desesperam sem ter o que comer; até água falta nas grandes e pequenas cidades; o apagão escurece a cidade e os saques e assaltos aumentam; os policiais, com remuneração baixa, fazem conluios com os assaltantes; os empresários e funcionários do governo levam o dinheiro das instituições públicas e privadas; a moça carrega na roupa o percentual pago pela corrupção; os bêbados com seus possantes automóveis matam em plena via pública; as infecções aumentam; a tuberculose volta; os hospitais não aceitam os conveniados; as verbas para a educação e saúde são divididas entre alguns prefeitos corruptos; Brasilia, capital da República faliu, roubaram as verbas públicas e o asfalto mostra os buracos de empresas que maquiaram suas falhas; as cidades satélites, algumas, tornaram-se “baixadas fluminenses”, criadas sem necessidade, mas com interesses eleitoreiros. Até o belíssimo Teatro Nacional tombou diante de administrações incompetentes.
Poderiam descortinar vários e vários fatos em todo nosso país que, aos poucos parece que vem sucumbindo, perdendo seus índices de crescimento, sendo rebaixado nos índices educacionais, as endemias e epidemias assolando até as cidades mais desenvolvidas(?), como São Paulo por exemplo. A juventude foi às ruas e depois se encolheu por falta de lideranças e acolhimento social, do governo e dos políticos. Gritos “tira a presidente”; “volta os militares”. Estamos loucos? Estamos em desespero num clima de falta de confiança? Pedimos reforma política mas estamos assistimos uma verdadeira loucura grupal no Congresso onde o bom senso, a resposta às ruas são negadas, não consideradas e as tentativas de reformas são patéticas.
Estive caro leitor, relendo a magnífica “Divina Comédia” de Dante, e novamente me detive logo no início quando o Poeta, acompanhado por Virgilio, que representa a Razão dos homens, desce ao Inferno. Diz Dante abrindo seu poema: “A meio caminhar de nossa vida/ fui encontrar em uma selva escura:/ estava a reta minha via perdida. Ah! Que a tristeza de narrar é dura/ essa selva selvagem, rude e forte,/ que volve o medo à mente que a figura”.
Dante descia ao Inferno, e quem encontrou? Os ignavos, sem batismo; os luxuriosos, os gulosos, avaros e pródigos, iracundos e rancorosos, os heréticos. Os tiranos, assaltantes, usuários, aduladores, traficantes, hipócritas, ladrões, falsários entre outros.
A “Divina Comédia” é aqui, aqui embaixo, no Brasil de hoje, e o que podemos pensar para que o Ódio não destrua o que nos resta? Houve um tempo em que os homens de bem, os estadistas, os políticos, os intelectuais, os estudantes e os empresários criavam uma espécie de Conselho representativo da sociedade para pensar a Nação! Será que estou sonhando ou viajando numa ficção?
Transformemos o Ódio no Pensar, nesse momento histórico do nosso Brasil meio que perdido e lembremos do que nos diz Kalina Vanderlei Silva e Maciel Henrique Silva em seu “Dicionário de Conceitos Hisóricos”, Editora Contexto, 2005:
“Seja como for, em um momento em que predomina um relativismo exacerbado, e o discurso do “fim das ideologias”, faz-se cada dia mais necessário repensarmos o sentido político, do trabalho pelo bem-estar-social, por valores nobres, buscando revitalizar uma cultura política que sinalize formas mais humanas de relações sociais. O intelectual não pode se furtar à ação política, esconder-se em teorias pretensamente neutras. Não que todos os educadores precisem atuar necessariamente nas instâncias político-partidárias. Mas é função do intelectual, dos professores de ensino, a proposição de caminhos à sociedade, de discursos compatíveis com as questões atuais… Para isso, precisamos compreender que as relações de poder estão em todo o lugar da sociedade e procurar contornar o desgaste que as imagens da política (atrelada à do político profissional) sofreu na história recente do Brasil”.
Fico por aqui prezado leitor deixando uma sugestiva frase de Gregório de Matos dita nesse último fim de semana, pelo meu querido professor Luis Tenório, analista da Sociedade de Psicanálise de São Paulo: “ O que me quer o Brasil que me persegue”.