A psicanálise, desde os tempos de Freud, é um método de tratamento, uma teoria da personalidade humana e um modo científico de investigação da mente. Questiona-se sempre se é um tratamento, no modelo médico. Penso que não. A experiência analítica se faz dentro de um “setting” próprio, numa relação analista-analisando modelado pelo fenômeno da Transferência, da relação dual, vivida no aqui e agora da sessão. Digo, vivida na medida em que não é uma experiência intelectual, é uma vivência emocional permeada de sonhos, atos falhos, associação livre, atenção flutuante e experiência estético-artística no sentido de apreender a realidade psíquica. É óbvio que tem um fundo político, na medida em que implica pensar questões relativas à ética e a relação intrapsíquica (ética interna) e extra-psíquica, relação com as pessoas e o mundo.
Gostaria de enfatizar nesse meu escrito que uma coisa é a “experiência clínica”, que define a psicanálise; outra coisa é a aplicação de conceitos e de modo de ver o mundo através dos conceitos psicanalíticos. Psicanálise não é um partido político, muito embora, os psicanalistas tenham suas idéias próprias e sejam até filiados a facções políticas. O saber psicanalítico pode e deve ser aplicado em áreas sociais, na educação, no serviço social, nas escolas, nas creches, nos hospitais em geral, nas relações médico-paciente e na política. Isso é aplicação subsidiada pelas pesquisas psicanalíticas; psicanálise sim, é o fenômeno de se passa dentro de um consultório respeitando sua técnica e seu objetivo de pesquisar o funcionamento mental do analisando, pensá-lo, no sentido de experiência emocional, para proporcionar menos sofrimento, menos angústia do ser-no-mundo. Isto é também válido para os dois, é de se esperar que cresçam tanto o analisando com o analista.
Nesse nosso tempo de turbulência social, de uma demanda para se suportar melhor a angústia de uma pessoa e da sociedade, tem se propalado uma urgência de acolhimento humano. Aí surgem as técnicas psicoterápicas, as psicoterapias breves, grupais, e até o que se convencionou de “psicanálise na rua”. Precisamos ter cuidado, bastante cuidado, para não confundir essas medidas alternativas com a psicanálise propriamente dita. É necessário distinguir prática de apoio, aconselhamentos, escuta de urgências psicopatológicas, mesmo por psicanalistas, da prática da psicanálise em sua essência de método, técnica e condições mínimas necessárias.
Corremos o perigo de “banalizar” a Psicanálise! Claro que os analistas podem e devem ter uma função social, mas diferenciando que, uma coisa é aplicação da psicanálise, outra é psicanálise. Vivemos um momento difícil, mas rico, no sentido de nós, psicanalistas termos um compromisso social e político, mas não se pode generalizar qualquer prática como Psicanálise. Temos de cuidar do legado que Freud nos deixou, sem desvirtuar a essência das condições necessárias para o encontro analítico.