Que país é este?

“Se trágico é o poder…O não poder sempre foi triste”.

Affonso Romano de Sant’Anna

Há 36 anos, o poeta Affonso Romano de Sant’Anna nos brindou com o poema… “Que País é Este?”, dedicado a Raymundo Faoro. O poema é instigante, inquietante, provocativo, verdadeiro, afetivo e além do mais um grito de angústia que o poeta apreendia da realidade interna dos brasileiros assim com das condições factuais do nosso Brasil. Affonso tem até hoje o ímpeto de uma voz que clama com veemência tantos os momentos de amor quanto de desalento, vividos na alma humana e apreendidos na esfera da consciência e dos desejos inconscientes.

Atualmente se faz necessário reler o poema, sentir que o tempo do poeta é infinito, que perpassa a nossa realidade, e que é urgente repensar que Brasil é este, atual, turbulento, indecifrável e de certo modo parado na “compulsão à repetição”, como um mecanismo de estagnação, de destrutividade e de incapacidade para fazer mudanças. Repetir é essencial no crescimento tanto individual quando grupal, mas a repetição compulsiva, iterativa, é sintoma de regressão e principalmente resistência à mudança. O novo sempre angustia, o novo exige renúncias de atos rígidos, o novo cria o desespero de viver um caos no estabelecido, com vistas aos novos arranjos criativos que tornam possíveis o crescimento, a expansão e o desenvolvimento de um povo.

“Há 500 anos caçamos índios e operários,/ há 500 anos queimamos árvores e hereges,/ há 500 anos estupramos livros e mulheres,/ há 500 anos sugamos negras e aluguéis”, diz o poeta. Há quinhentos anos, digo eu, prosseguimos mantendo nossa natureza tribal, primitiva: voracidade, inveja e vampirismo criando um país de poucos ricos e muitos extorcidos pelo império de um narcisismo perverso, mortífero, aspectos sutis (?) da cultura da “casa grande senzala”.

Outro fragmento do poema diz: ” Este é o país do descontínuo/ onde nada congemina,/ e somos índios perdidos/ na eletrônica oficina./ Nada nada congemina/ a mão leve do político/ com nossa dura rotina,/ o salário que nos come/ e a nossa sede canina,/ a esperança que emparedam/ e a nossa fé em ruína,/ nada nada congemina:/ a placidez desses santos/ e nossa dor peregrina, / e nesse mundo às avessas – a cor da noite é obsclara/ e a claridez vespertina”.

Brasil da fragmentação, fragmentação da família, do Estado, da Justiça, tudo fraturado sem condições de subsidiar referências de identificações aos nossos jovens carentes de: escola, saúde, ética, justiça, educação e cultura. Para que ser culto? Não interessa aos sistemas perversos do Poder que, através de políticas populistas se defendem do confronto. Ter educação e cultura é poder saber escolher, discriminar, votar, reivindicar, o que fere o autoritarismo e a cultura da expoliação. Que Brasil que Affonso Romano canta, após décadas? O brado do poeta é atualíssimo, está nos meios de comunicação, nas notícias das corrupções, no clientelismo do poder, na ponte que cai, no São Francisco que seca, nas “olimpíadas” do superfaturamento, na falta de líderes, nos hotéis das “malas de dólares”, na gestante que morre sem atendimento, com seu filho também, na prevalência das indicações eleitoreiras e não na meritocracia, na perdição dos projetos, na arrogância dos congressistas e na “lama” que mata a nossa história.

Que país é este, meu caro Affonso?
Onde o clarinete não toca as notas agudas e desce às graves num tom lúgubre, fúnebre, compondo uma tessitura depressiva, onde o futebol, o samba e o carnaval não aliviam as dores de parto, onde os filhos nascem às avessas, onde a poesia chora num verso de falta de esperança, onde você canta “homens gordos melosos sorrisos comensais politicando subúrbios e arando votos e benesses nos palanques oficiais”.

“Hoje meu pai, cansado, já se foi. Minha mãe, com fé, já se prepara e a horta se não se deu às pragas… já foi toda acimentada. Meus irmãos estão dispersos. Já não conversamos Como anjos adolescentes Debruçados sobre o sexo das tardes.”

Que país está sendo e será este, caro Poeta?

 

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