A experiência psicanalítica ainda hoje é desejada como também temida. Numa cultura da tecnologia e da economia em direção ao Ter e não ao Ser, é óbvio que qualquer atividade que aponte crescimento a partir da reflexão, da meditação sobre si mesmo, e da possibilidade de incentivar mais o humanismo, as resistências são enormes. A psicanálise sempre se oferece como terapia e principalmente como ferramenta para mais conhecimento mental, conhecimento do funcionamento psíquico de uma pessoa e de grupos. Quanto mais a pessoa se conhece, mais possibilidade adquire de viver com menos sofrimento consigo mesma e acarretar menos conflitos nas relações interpessoais.
J.B.Pontalis, psicanalista francês, escreveu um belo livro de pequenos ensaios À margem dos dias, traduzido por Lidia Rosenberg Aratangy, editado pela Primavera Editorial. Escreve ele, na pag. 83: “(…) são exatamente esses pacientes – os rebeldes, os resistentes, os refratários (ao esforço do trabalho obrigatório…), aqueles que se fecham em silêncio pesado, que às vezes nos desesperam pela probreza de associações, desafiam nossas teorias, frustam nossas expectativas (pois temos expectativas, embora pretendamos o contrário) -, sim, são esses os que nos impedem de qualquer cumplicidade, proíbem o que chamam de ‘aliança de trabalho’. Cabe a nós, então, inventar a análise, quando ela parece impossível, cabe a nós pensar contra nós mesmos”.
A vivência e o trabalho analítico são assim mesmo: idas e voltas, progressos e recuos, crescimento e sabotagem ao desenvolvimento. No entanto, a experiência mostra que a psicanálise ainda é um método de trabalho consistente e eficaz, ainda que seja em sua essência, lento e progressivo, mesmo numa cultura da “ação imediata”, da fantasia de uma “cirurgia da mente”. Na pag. 71 do seu livro, Pontalis nos adverte que: “ A oposição entre civilização e barbárie entra em colapso quando a barbárie está inclusa na civilização, quando o desumano está no coração do humano”. Essa é uma razão da psicanálise persistir, pois a cada dia que se passa, vemos que o mundo pós-moderno ganhou progressos tecnológicos e econômicos, mas com grandes perdas da ética humanista.
As noções de alteridade, de complementariedade, de relação amorosa, de respeito pelos direitos humanos, estão em declínio. Ainda é hora de concordarmos com Freud quando alertava que a maneira de tirar proveito dos nossos instintos destrutivos ainda é a sublimação e a transformação em forma de Cultura.