“Nós todos estamos na beira da agonia
Caminhando sobre pedras angulosas e abismos.
Ninguém ouve o barulho da banda de música
que está ali firme do outro lado do século.
Encontramos o sonho e o pusemos no altar.
Incenso e adoração, culto ardente para servir.
Saímos dos planos múltiplos do sonho,
não nos integramos na ciência da total realidade.
Vamos colher flores grandes que crescem nos abismos
e apreciar as explosões de luz dos dois universos.
Apressando o passo estaremos do outro lado do século
ouvindo o barulho da banda de música que nunca para.”
Reflexão e Convite, poema de Murilo Mendes
Antes que o leitor reaja, esse escrito não tem o sentido pessimista, e sim uma visão realista dos tempos em que vivemos. Não se trata de uma “banda” faceira, alegre como cantou Chico Buarque um dia. A banda de hoje é por demais ouvida, pois ela vem tocando uma Marcha Fúnebre. Estamos todos nós, brasileiros, vivendo uma vereda muito triste: o poder governamental, executivo e legislativo perdeu o bom senso da Política, do compromisso com a sociedade em apresentar um projeto convincente, ético, humano e voltado para o bem da população. Enveredou em todas essas dezenas de anos, não importa que partido ou grupo, por uma economia falsa, promessas não cumpridas, e o mais importante – falta de projeto nacional. A preocupação vem sendo os conluios partidários para a manutenção no poder. Consequência disso, a fragilidade, a falta de pulso administrativo, a preponderância do “cabide de emprego” sobre a contratação de pessoal com formação humanista, política, administrativa somando tudo isso, falta de pessoas de idoneidade ética. Caímos, lenta e progressivamente num abismo, como canta nosso poeta Murilo Mendes, destruindo o sonho de uma nação de primeiro mundo. Chegamos no fundo do poço —- o Estado não gere mais a Nação e o que vemos é o Poder Judiciário dando as cartas, a Polícia Federal e o Ministério Público tomando as rédeas de um “Estado de Exceção” no sentido do filósofo do italiano atual, Giorgio Agamben.
Será que podemos “colher flores que crescem no abismo”? Essa questão está aí, angustiando toda uma população que sonhou um país forte, desenvolvido, moderno. Estamos realmente no abismo! “Saímos dos planos múltiplos do sonho, não nos integramos na ciência da total realidade”.
Dívidas e mais dívidas do Estado, crescimento pobre, expectativas de alguma melhoria só em 1918, barragens se rompendo, até no canal do São Francisco. Infecções, infestações, endemias, epidemias, dívidas pessoais contraídas pela “nova classe média”, recuo do consumo, um legislativo que não trabalha perseguido por possibilidades reais de rolarem “lava a jato” abaixo, conluios eleitoreiros com políticos sem formação para a administração governamental, hospitais sucateados, estradas esburacadas, uma “olimpíada às avessas”. Angústia, abismos, pesadêlos, perseguições, acusações devidas e indevidas.
Leio Drummond em seu poema —-“Congresso Internacional do Medo”, de 1940:
“ Provisoriamente não cantaremos o amor,/ que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos./ Cantaremos o medo, que esteriliza dos braços,/ não cantaremos o ódio porque esse não existe,/ existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,/o medo do grandes sertões, dos mares, dos desertos,/ o medo dos soldados, o medo da mães, o medo das igrejas,/ cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,/ cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,/ depois morreremos de medo/ e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.”
Oxalá não se concretize, depois de toda essa desorganização, a convulsão social, decorrência natural do aumento do desemprego. Esse filme nós já vimos! Deus nos livre!