O direito à Educação é universal. A Educação é um colar de pérolas que caso o fio não for consistente e constante, as pérolas se esvoaçam pelo ar e mantém a humanidade em seu estado de barbárie. Educar é um ato que tem a função de civilizar os seres humanos nascidos em estado precário e sem condições de sozinho, dar conta da humanização. O infante nasce com seus recursos transgeracionais e intrínsecos, no entanto, necessita de pessoas com função materna e paterna que subsidiem sua identificação, identidade e coesão do seu ser-no-mundo. Todos os homens nascem com sua natureza animal-humana, e por ter seu vértice animalesco necessita de civilidade e de condições para tal. Os pais, a família, o Estado e a Cultura têm todos, a obrigatoriedade de oferecer educação, oferecer condições para que a criança possa exercitar, desde o começo, a capacidade de lidar com seus impulsos e suas necessidades. Um país que não tem como meta a Educação é um país condenado à selvageria e a incapacidade de desenvolver a democracia. Estamos no século XXI ainda carentes de humanidade, civilidade, preocupação com os semelhantes, em que pese o crescimento e desenvolvimento tecnológicos.
A educação tem seu foco principal na infância. O infante, o bebê de colaço, não conhece o principio de realidade e seu mundo é o mundo dos seus desejos, desejos que mais parecem ordens para sua realização prazerosa. É a mãe, ou a função materna que inicia esse processo, e logo a seguir, a função paterna, o pai ou substituto, aquele que mostra a lei, a interdição ou como queria Freud — a castração da onipotência. O ambiente, a sociedade e a cultura têm sua importante função no educar. O Estado entra com a obrigação constitucional de prover recursos à Educação, caso seu governantes tenham um espírito democrático e não se apeguem ao estilo milenar de patrão-escravo. Ainda hoje é evidente a mentalidade de grupos políticos temerem educar a população, pois acreditam que educar, libertar, dar autonomia, consciência política, compromete a eficiência perversa de seus governos totalitários, populistas, ditatoriais.
Outro dia, relendo um dos mais profundos textos de Liev Tolstói —-“Os Últimos Dias”, encontrei uma bela carta sobre o tema que escrevo hoje. Seu nome é “Carta sobre a educação”, missiva escrita oito anos antes de sua morte à sua nora Sófia N. Tolstaia, cujo diminutivo é Sônia. É bom que se lembre que Tolstói após ter escrito Guerra e Paz e Ana Karenina, abandona o romance e vai viver uma vida monástica, de reflexão e de “pregação da não violência e da essência do cristianismo”. Mesmo tendo sido um homem das elites, o conde Tolstói desenvolveu em sua caminhada, um sentido social e político muito apurado, mostrando em seus escritos, sua angústia, preocupação e náusea com os regimes totalitários e bárbaros da humanidade. Bom, prezado leitor, nessa singela, carta nota-se a importância que Tolstói dava à educação, ao trabalho e ao desenvolvimento da autonomia no ser humano. Seus conselhos à Sônia são conselhos atuais que denunciam a ignorância e insensatez, principalmente da burguesia e das elites de qualquer sociedade. Sinto nessa hora, a necessidade de transcrever alguns fragmentos pois os mesmos dispensam comentários. Atentem-se alguns:
“Uma criança, ou um adulto, só aprende quando sente gosto pelo objeto de estudo. Sem isso ocorre um dano, um terrível dano intelectual, que transforma as pessoas em deficientes mentais”. “Mas será necessário habituar as crianças a uma vida grã-fina, ou seja, de modo que elas saibam que todas as suas necessidades, sejam quais forem, serão satisfeitas sem nenhum esforço da parte delas?”.
Tolstói vai tecendo com delicadeza e ternura seus conselhos. Alerta que nada cai dos céus, mas tudo na vida é o resultado do trabalho de outras pessoas, nem sempre reconhecido pelas crianças e mesmo pelos adultos. Sempre penso que o ser humano tem um evidente ódio ao trabalho e uma fantasia inerente de que o prazer virá magicamente, não como resultado do esforço físico e psíquico. Continuo citando outro fragmento: “…e por essa razão eu lhe suplico, (para empregar um estilo mais poético) do meu leito de morte, que pratique isso com seus filhos. Deixe-os fazer, com empenho, tudo o que precisarem fazer para si próprios: descartar as próprias fezes, pega água no poço, lavar a louça, arrumar o quarto, limpar os sapatos e as roupas, arrumar a mesa e assim por diante; deixe-os fazer sozinhos… Com esse princípio, eliminamos duas questões de uma só vez: ele permite que estude menos, utilizando o tempo da maneira mais proveitosa e natural, e acostuma as crianças à simplicidade, ao trabalho e à autonomia… Acredite em mim, Sônia, sem essa condição não há educação moral nem cristã nem a consciência de que todos os homens são irmãos e iguais entre si…”
Tolstói ainda nessa carta nos mostra que ainda é uma realidade que “as pessoas se dividem em duas classes —- senhores e escravos, por mais que expliquemos à criança as palavras “liberdade” e “fraternidade”… Além disso, nos ensinamentos dos mais velhos sobre moral, a criança perceberá, no fundo de sua alma, que todos os sermões são enganosos, e ela deixará de acreditar em seus próprios pais e em seus mestres, e até mesmo na necessidade de qualquer moral, seja qual for.” Que maravilha de insight de Tolstói, principalmente quando podemos usar seus conselhos na atualidade! Atualidade tão carente de educação e coerência. Estamos hoje vivendo a falta grave de exemplos de identificação, de ética, moral, humanidade e civilidade, pois a Família, o Estado, a Política e a Justiça mantém-se em seus “discursos enganosos”.