Os brasileiros dos tempos pós-modernos são acostumados, desde a escola primária, a lerem pouco. Quando leem, não é tão incomum, lerem nossos ícones da Literatura Nacional, tais como Machado de Assis, Graciliano Ramos e tantos outros, em edições não originais, simplificadas e adulteradas do texto real.
Justificativa governamental: Certo Ministro da Cultura facilitou verbas para distribuir em nossas escolas essa “edições falsificadas” alegando que nossos alunos têm dificuldades com as palavras usadas pelos autores, e que dava muito trabalho de pesquisar dicionários. Em síntese, ensinam uma distorção grave numa linguagem superficial e mentirosa, adulterando as obras e a essência da Literatura. É necessário frisar que estamos falando de fatores formadores de uma Cultura e não de consumir livros.
Ler não é consumir, não é algo que se faça por obrigação para ser aprovado, do mesmo modo, não é tampouco um exercício mecânico de engolir palavras, sem sentir o que as palavras significam e experimentar emocionalmente o sentido abstrato e metafórico do texto.
Ler é difícil, é claro; ler é uma experiência estruturante onde o autor não escreveu senão porque apreendeu a importância de uma vivência, um acontecimento de caráter político e social, uma sutileza em versos que fazem com que entremos em contato com nossa realidade humana, vivida, tanto no que toca ao prazer quanto o que fala das nossas dores existenciais.
Quando se lê, estamos lendo nós próprios, a nossa cultura, o pensamento de época, as questões filosóficas do viver. Duvido que seja isso o que nossos “professores” partilham com seus alunos. Admito também que existem professores, professores, mas a maioria não tem ajuda governamental para uma cultura humanística e nem salários dignos para adquirir livros. Aliás, o preço dos livros no Brasil é um disparate! A maioria não sofreu as angústias dos personagens de Machado e Graciliano, ou de Guimarães Rosa e Euclides da Cunha!
Ensinar um texto é uma experiência profunda que requer uma leitura vivenciada, voltada para a aparência e a essência daquele texto. Os textos literários são metafóricos e revelam nossa experiência de vida. Marcel Proust, um dos maiores escritores do Século XX, em seu romance “A Procura do Tempo Perdido”, escreveu no último dos sete volumes —“O Tempo Redescoberto”: “Porque, como já demonstrei, não seriam meus leitores, mas leitores de si mesmos, não passando de uma espécie de vidro de aumento, como os que oferecia a um freguês o dono da loja de instrumentos ópticos em Combray, o livro graças ao qual eu lhes forneceria meios de se lerem”.
“Não seriam meus leitores, mas leitores de si mesmos”, esta é a frase contundente de Proust para dar uma ideia do que pensa o autor quando escreve.
O ensino da Literatura no Brasil será que cumpre suas funções? Há pouco quase retiram do curriculum obrigatório as Artes, a Música e a Literatura. Que país é este? Já dizia o nosso poeta Affonso Romano de Sant’Anna!
Há um livro, ainda do brilhante Proust, que deveria ser lido por todos nós e principalmente pelos professores de literatura ou por qualquer aficionado pela leitura: “Marcel Proust –Sobre a Leitura”, editado pela L&PM Pocket, em sua coleção – “96 Paginas”. Nesse pequeno grande livro, Marcel Proust consegue nos mostrar as funções e a importância da leitura. Deixo como referência e faço agora algumas citações do mesmo:
“Para nós, que queremos apenas discuti-la em si mesma, sem nos preocuparmos com suas origens históricas, a tese de Ruskin pode ser resumida com bastante exatidão por essas palavras de Descartes: a leitura de todos os bons livros é como uma conversa com as pessoas mais virtuosas dos séculos passados que foram seus autores”.
—“…a leitura é justamente uma conversa com homens muito mais sábios e mais interessantes do que aqueles que podemos ter a ocasião de conhecer ao nosso redor”.
—“Ora, os poetas despertam em nós um efeito do amor quando nos fazem atribuir uma importância literal a coisas que para eles são significativas apenas de emoções pessoais”.
—“O que falta, portanto, é uma intervenção que, mesmo vinda de outro(autor), ocorra no fundo de nós mesmos, um impulso de outro espírito, mas recebido em meio à solidão”.
—-“Enquanto a leitura for para nós a iniciadora cujas chaves mágicas abrem no fundo de nós mesmos a porta de moradas em que não conseguiríamos penetrar, seu papel em nossa vida será salutar”.
Só espero que os governos do nosso Brasil reflitam e façam transformações quanto à questão do Ensino Fundamental. Estamos engessados numa educação que visa um aprendizado tecnocrata e com finalidades capitalísticas em adquirir bens materiais. Não se empenham numa Educação Humanística.
Ler, estudar pensando, refletir, meditar questões existenciais e políticas é ainda uma grande ameaça ao poder constituído. Parem de jogar fora as experiências vividas e escritas, por exemplo, por nosso querido Graciliano Ramos, Euclides da Cunha e tantos outros que, em seus livros descrevem os dramas do nordestino, dos excluídos socialmente além das angústias pessoais na intimidade dos momentos de solidão.
Nossos estudantes precisam “Sofrer” suas leituras, e não lê-las para fazer face aos vestibulares e concursos da vida. Há que saudade da nossa época onde se estudava pelo menos três línguas, filosofia, religião, literatura, poesia e teatro! Será que isso é fora de moda? Penso que aos nossos jovens não ensinam mais Ética e capacidade de desenvolver recursos afetivos. A “civilidade tecnocrática” não soluciona as questões do coração que sofre de falta de cultura e de falta de valores humanistas.