Os amantes se amam cruelmente
E como se amarem tanto não se veem
Um se beija no outro, refletido.
Dois amantes que são? Dois inimigos.
Amantes são meninos estragados
Pelo mimo de amar: e não percebem
quanto se pulverizam no entrelaçar-se,
E como que era mundo volve a nada.
Nada, ninguém. Amor puro fantasma
que os passeia de leve, assim a cobra
se imprime na lembrança de seu trilho.
E eles quedam mordidos para sempre.
Deixaram de existir, mas o existido
Continua a doer eternamente”
Poema de Carlos Drummond de Andrade ,1959, no livro: Lições de Coisas
Os versos livres do itabirano “gauche” revelam de saída o que poderíamos falar de “paixão insana”, aquele estado passional inicial de qualquer relação avassaladora. Diferente da “paixão sana” que caso os amantes exercitam lidar com as diferenças e individualidades próprias de cada, transformam a paixão em prelúdio para preparar o amor. Nessa narrativa poética de Drummond, a tônica cai na possibilidade que ele deu ênfase à destruição, e não a criatividade no amor para atingir uma parceria!
Amor cruel, passional, com ímpetos de oralidade sádica, vampiresca, onde um engole o outro e se perdem numa fusão psicótica e perversa de dominação, alimentando o lado patológico de um Narcisismo mortífero onde “eles quedam mordidos para sempre. “Dois inimigos”; “se amam cruelmente”; “meninos estragados”. Caro leitor, atentem ao aspecto destrutivo dessa parceria insana, onde jogos sadomasoquistas imperam pela vitória dos dois, não para criar, sublimar, engravidar. Diga-se de passagem que Freud sempre reconheceu que poetas tinham muito a ensinar aos psicanalistas. Esse texto drummoniano é um aspecto do que, na psicanálise estava descrito como — atuação da pulsão de morte, revelando relações estéreis, abortivas, sem possibilidade de gerar filhos internos da relação nem filhos engravidados pela relação amorosa.
“Eles quedam mordidos para sempre… deixaram de existir… continuam a doer eternamente”, intui Drummond e justifica piamente de nomear o poema com DESTRUIÇÃO.
O livro “Lições de Coisas” já enuncia a maturidade do Poeta, denunciando já na década de 1950, o que é atualíssimo, o que transforma Drummond como um Clássico, na medida em que é aquele gênio que nunca deixa de ser atual.
Quando Carlos Drummond enfatiza em seus versos livre os amantes “não percebem quanto se pulverizam no enlaçar-se, e como o que era mundo volve a nada”. Está aí a tragédia atual das relações amorosas de consumo onde o amor, a ternura e sexualidade dão lugar as relações de prazer pelo prazer, do não reconhecimento entre sujeito e objeto como um conjunto fértil, e sim, como uma relação desprovida de afetuosidade e predominantemente destrutiva sob um fundo de um narcisismo perverso. Ato contínuo, aparecem sentimentos de não existência, de vazio, de depressão e de drogadição às pessoas.