Esperando um voo atrasado para São Paulo, eis que meu telefone soa e numa voz cadenciada, um tanto em altura de tenor, sinto uma alegria incomum em conversar com um amigo-irmão. Nossas conversas sempre são o que se chamaria na Belle Époque, uma inquietação profundamente existencialista.
Após risos e ternura em nosso encontro virtual, adentramos num assunto belo, sincero, cruel, verdadeiro e às vezes assustador – Temos ainda tempo para o quê nessa vida?. É óbvio que a conversa, pega de surpresa, insere questões da mortalidade e da finitude! Lembro de J. L. Borgesem seu poema “O Cego”:um lampejo me toca/ teu cabelo antevejo/se ora de cinza ou ainda de ouro, ignoro /repito que o perdido foi somente/ a inútil superfície das coisas.
Na papo telefônico chegamos até planejar um encontro um tanto sistemático: formarmos um pequeno grupo para pensar assuntos existenciais, um grupo de cinco no máximo (mais do que isso é multidão, lugar onde pululam ciúme, inveja, competição e atitudes arrogantes de saber).
Ricardo é o nome do meu querido amigo. No decorrer temporal do telefonema, as inquietações e provocações sadias de pensar iam tomando forma de um diálogo, e não de duas pessoas preenchendo tempo com evacuações verbais para livrar o aparelho mental de entulhos de “inútil superfície das coisas”. Ato contínuo, Ricardo dizia uma coisa sábia: “a esta altura é preciso ser seletivo com o tempo e com as pessoas”. Respondi de imediato que conosco também! Devemos cuidar da nossa ânsia pela curiosidade criativa e ler e reler questões filosóficas, literárias, psicanalíticas, econômicas, ampliando sempre nossa formação humanística.
Sorrindo e sofrendo com aquela conversa, lembrei mais uma vez do meu querido Borges quando sempre afirmava com veemência: o mais importante não era ler tanto, era reler sempre. Nesse instante, suportando a loucura de sons dissonantes das pessoas aguardando seus voos.
Ricardo exclama: vamos selecionar alguns fragmentos de obras clássicas e conversar sobre elas de uma maneira jazzística, improvisadora (risos mútuos). Associei na lata: dois nordestinos são pessoas que têm em sua estrutura genética e artística a capacidade de: a partir de um “mote” desenvolver um diálogo repentista! Estávamos contentes e muito íntimos, o que prova que a distância espacial não dissolve a consistência afetiva – “alone-together” diz o título da canção jazz-standards.
Que satisfação ter no mundo de hoje uma relação (raríssima) que cultiva a beleza do contato humanístico. Atualmente não é incomum a cultura das relações de droga-adição entre as pessoas, e não de momentos enriquecedores da nossa cultura. Aquele lindo momento, mesmo entremeado dos sons disrítimicos e esquizofrenogênicos de sala de espera de aeroporto, não dissolvia nem destruía um encontro fecundo entre dois amigos que se conheceram há uns trinta anos na Capital da República.
“A vida não é um estado de felicidade, é um estado de contato”, fragmento da prosa poética de Clarice Lispector em seu livro – “A Paixão Segundo G.H.”